O que vem por aqui não começou com o propósito de se tornar um livro. Os escritos meio que nasceram por si sós. Filhos deles mesmos, é o que são. Surgiram da necessidade, que em mim não cessa, de lidar com a autonomia desmedida das palavras, de sorver a magia transformadora que é delas a essência. Vieram em nova forma como instrumento de mudança pessoal de fase e de ofício, dito aqui tão só no sentido de ocupação. Não há, pois, um projeto inicial a conferir unidade ao todo que acabou por se compor.
Não são propriamente memórias. São estórias e histórias do meio do mundo. Lugar que existe, nele habitamos eu, minha imaginação, toda minha ancestralidade, lateralidade, descendência, vizinhos, amigos e mais uma porção de gente da mesma cepa. Lugar pequeno, como convém ser àquele que é do mundo o meio. Lugar antigo no qual, dada sua força gravitacional atrativa, o tempo e o espaço podem se tornar elemento um do outro, fundindo-se para igualmente confundir e enredar em seus termos tanto os que permitem a influência, como os que transitam distraídos, quanto os que se julgam não vulneráveis à força resultante da mencionada fusão.
Desnecessário, então, que sejam investigados causas e efeitos, o vivido e o inventado. É que as palavras ganham vida própria depois que são postas em articulação umas com as outras. Assim, aquilo que porventura for lido destes escritos vai estabelecer com quem leu uma relação direta, particular, específica, distinta de todas as demais. Esta nova relação dá origem a uma estória nova e ela, para quem leu, é a que mais importa. Este fenômeno, entretanto, não ocorre apenas na relação que se estabelece entre o leitor e o texto. Palavras têm esta característica mesmo, ou força, talvez melhor dizendo. Quem as escreve também costuma ser surpreendido por elas. A partir de um determinado ponto, as palavras se desvencilham de quem as vinha utilizando e passam a dominar sozinhas o curso da escrita. Quem pensava fazer delas uso se vê agora perdido, correndo em seu encalço, na tentativa vã de pôr nelas cabresto. Mas, sim, sempre haverá no texto lido fragmentos de quem os produziu sendo misturados com os de quem o lê. É aí, a meu ver, quando mundos diversos se tocam, que se encontra a maior magia e beleza da troca proporcionada pelas palavras, meu confesso objeto de encantamento.
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