Com toques kafkianos, a história fantástica narrada por Marcelo Costa Conde em O Mesmo, seu livro de estréia na Literatura, conta o estupor do protagonista ao ver toda a sua existência se aproximar de seus dias atuais em ordem cronológica. Ao antever o final, Sebastião Aerosa decide morrer como viveu: mantendo-se o mesmo.
“Acordou mais uma vez de sobressalto. Terminava-se então o quinto mês seguido que sonhava todas as noites, durante todo o tempo de seu sonho, com sua própria vida. E foi nesta manhã de segunda-feira que Sebastião Aerosa percebeu que morreria”.
Apesar de permeada pela morte, a obra de Conde fala essencialmente da vida e das escolhas que traçam os acontecimentos. Em sua simplicidade de garçom, Aerosa optou por viver os seus dias de forma comum, nutrindo apenas a ambição de ser mais um rosto na multidão. Tamanha simplicidade do personagem, somada a certa habilidade narrativa do autor, permite lá suas conclusões: se de uma vida aparentemente sem graça seria impossível extrair uma biografia interessante de 200 páginas, a Literatura aparece então como essa força capaz de transformar o banal em belo.
Ao destrinchar o personagem página a página, o autor mostra os princípios e encantos que permeiam o não-oferecimento de uma Coca-cola com limão, o orgulho em ser neto do maior construtor de aviões do mundo e o amor mais simples e brando possível, nascido de um relacionamento baseado apenas no ouvir o que o companheiro tem a dizer – e isso basta para que encontrem a felicidade. Mas também revela a dor de reviver todos os erros e perdas sem poder alterá-los, como se fosse uma espécie de tortura do destino pela vista turva no calor dos acontecimentos.
A obra provoca reflexões acerca desses detalhes que enobrecem o cotidiano e dão sentido à existência da maioria de nós, anônimos vivendo na era de tantos reality shows e de megaproduções hollywoodianas que insistem em retratar a vida com a euforia artificial dos grandes acontecimentos. Com nobreza, Conde quer resgatar a verdade da vida que acontece na sutileza da calça azul de brim, no cinto marrom um pouco desgastado, na camisa branca de botões e na boina bege, roupas já batidas pelo uso e vestidas mais uma vez, justamente no dia em que se vai morrer.