Esta é uma antiga história de amor. A de um rei de Uruk a quem os deuses quiseram perder, um rei dominado pelos sentidos e pela violência dos prazeres. E da prece dos homens à divina Aruru, A-Da-Criação, que dele os livrasse, irá nascer Enkidu, o igual de Gilgamesh, e à sua imagem, «semelhante a ele como o seu próprio reflexo», Enkidu para que o combatesse.
Mas esta é uma antiga história de amor. Nela seria excessivo que Gilgamesh combatesse e se não apaixonasse pelo seu duplo, o bravio Enkidu; pelo que, quando os helenos veneraram o Mito de Narciso, já esta história de milénios se ria havia muito às gargalhadas, mostrando que o coração dos homens é uma força civilizadora muito mais forte que a vontade dos deuses.
Quando as hostes gregas, as alas dos namorados, faziam frente à meia Ásia do Rei dos Reis e Simónides deixava as palavras do epitáfio das Termópilas,«ó tu que passas, da nossa parte vai dizer aos de Esparta que aqui jazemos, filhos seus obedientes» já as raízes milenárias dos cedros do Líbano tinham coberto os ossos de Humbaba e tapado a memória de outra campanha viril, a de Gilgamesh e do seu amigo Enkidu à Terra dos Cedros.
Num tempo no qual o trânsito dos sonhos para a vida era o lugar dos presságios obrigatórios, tudo tem sentido e os fatos oníricos confundem-se com os vividos. Muito do que é anunciado nas noites de sonhos prolongados virá a ser cumprido, e os paroxismos da Vida e da Morte não serão senão semi-surpresas.