Kafka demonstra, nesta obra, a sua falta de disposição, a ojeriza pela vida em sociedade e a fuga constante às obrigações pré-determinadas. De uma certa maneira, quem conhece a vida do autor sente, em cada treco da Metamorfose, a descrição velada de sua angústia no ambiente familiar.
Em A metamorfose, Kafka, transformado em inseto, humildemente se oferece em sacrifício, para ser compreendido e amado por sua família, tornando-se o alvo da repugnância de todos para que, de algum modo, pudessem sentir a sua presença e a sua atuação entre eles – o que jamais conseguiria, porque a diferença entre a sua existência e a deles é insuperável. Sua história lembra assim aquele a daquele outro sublime judeu que esteve entre nós e que se ofereceu em sacrifício pelos nossos pecados, fazendo-se alvo das chacotas, do desprezo e das lanças dos que beneficiara.
Nesta novela temos Kafka de corpo inteiro. A própria figura do pai ali está, forte, prepotente, cheio das manhas, sempre disposto a mostrar ao filho a sua força, o seu poder; temos a mãe, frágil criatura, oscilando entre pai e filho, repartindo o seu amor entre eles, porem presa a vínculos mais forte de tradição; e a figura suave de Ottla, a irmã preferida de Kafka, que o compreendia e auxiliava em tudo, com quem ele gostava de partilhar os seus sentimentos. Porém, a vida passa, novas obrigações surgem, é preciso que tomemos uma decisão, um rumo, um objetivo, cada qual tem a sua existência a cuidar, - e assim ele percebera sozinho com seus problemas e sentiram funda e amarga, a sua solidão. Solidão de um homem talentoso, que os seus semelhantes não acolhem, que aborrece a sociedade, e que se isola em seus sonhos.
Ficção / Literatura Estrangeira