Recôncavo

Quando o primeiro escritor brasileiro a ganhar o Prêmio Nobel sobe ao palco do Stockholm Concert Hall para receber sua honraria seus olhos vislumbram os personagens da cidade encantada que descansa nas bordas do Rio Paraguaçu, no Recôncavo baiano.
Essa cidade é Cachoeira, que o escritor baiano Armando Avena coloca como personagem principal de seu romance intitulado Recôncavo, e que, por vezes, lembra a sombria Comala, de Juan Rulfo, ou a Macondo de Gabriel Garcia Marquez.
No Recôncavo baiano - uma porção de terra que, partindo de Salvador, contorna a Baía de Todos os Santos e encosta do outro lado na Ilha de Itaparica - existe um mundo diferente, onde coisas estranhas podem acontecer. Aí, na cidade histórica de Cachoeira, tudo pode acontecer. É possível assistir a procissão das negras da Irmandade da Boa Morte, uma seita de senhoras negras que desde o tempo da escravidão, há mais de 200 anos, cultuam, em dupla pertença, o orixá Nanâ e Nossa Senhora e rezam a Oxum e a mãe de Jesus. Aí, fica-se sabendo que meses antes do Grito do Ipiranga, a população pegou em armas e tomou de assalto uma canhoneira portuguesa, para depois decretar a Independência do Brasil. Aí, sobre o rio Paraguaçu, por onde navegavam os navios negreiros que traziam os escravos para os canaviais, reina majestosa uma imensa ponte de ferro, bela e mal assombrada, que tem mais de 120 anos e foi construída pelos ingleses.
É nessa cidade mística que Armando Avena constrói seu romance e não nomeia seus personagens, deixando que o leitor os identifique gradualmente num exercício literário que o prende irreversivelmente à trama. E é nesse mundo misterioso que um escritor descobre, prestes a receber o Prêmio Nobel, que Cachoeira e Estocolmo estão enroscadas e unidas pelas águas do passado e que o prêmio tão ansiado não lhe pertence.

Literatura Brasileira