Orelha escrita por Julián Fuks:
"Os personagens deste livro são seguros, crêem-se onipotentes. Pensam que poderiam ser o que quisessem, e que escolheram com liberdade a sina de matadores, justiceiros, loucos, pornógrafos. Desconhecem a força suprema que os rege, o sujeito impiedoso que martela as teclas como quem brande uma espada, o homem que os cinde ao meio e faz preponderar apenas o que há de mais vil, o que há de mais baixo. Abilio Marcondes de Godoy é um narrador poderoso. Manipula os seres que cria, sejam homens ou palavras, com a sanha de um deus que ainda não desistiu do mundo, um deus que sabe ter o que engendrar. Faz valer sua vontade, e sua vontade é de revelar paranóias e taras de um universo em decadência, prestes a colapsar. Não nos enganemos. Nós, leitores, a princípio não somos cúmplices ou testemunhas, e sim mais algumas de suas vítimas. Ardiloso e hábil, Abilio nos conduz como bem quer, nos submete a experimentações bem tramadas, nos imerge nos mistérios de outras vidas e, sádico, sempre adia a revelação, sempre obscurece a despedida. Apresenta-nos com despretensão uma coltânea de contos sob um título lacônico e, quando damos por nós, estamos enclaustrados numa rede histórias entrelaçadas, onde um texto retoma o outro e o modifica, onde os personagens trocam olhares, palavras, saliva, e vão ampliando sentidos e expectativas. Só quando nos desfazemos de suas amarras, só quando a náusea que nos causa vai ficando mais esparsa - e talves esteja aí o hiato - é que compreendemos sua necessária ambiguidade. Abilio perfilara, paralelos, o ato de narrar e ação narrada. Como um dos seus personagens, tomara-nos o nariz e o balançara de lado a lado, soltando seu estribilho revelador, o eco eufórico desta boa obra: 'Te enganei! Te enganei!'"