Em Aquisgrana, no século IX, Carlos Magno remove com uma faca as lascas de um queijo "branco e gordo" de aparência mofada que lhe parecem asquerosas – até descobrir que aquelas são justamente as melhores partes. Em Altkirch, no século XII, uma farta mesa posta ao ar livre para recepcionar o abade Hugo de Cluny é salva de uma tempestade por "intervenção divina". Segundo as testemunhas, o milagre não se dera para preservar o banquete, mas para ratificar uma amizade que ali nascia entre convidado e anfitrião, afinal, "comer juntos significa sempre outra coisa". Em Nápoles, no século XIV, Dante Alighieri é convidado para uma ceia pelo rei local, Roberto I, mas deixa seus convivas perplexos ao besuntar as próprias roupas com carne e vinho.
São causos desse tipo a matéria-prima destas Histórias da mesa, narrados pelo estudioso das tradições alimentares da humanidade, o italiano Massimo Montanari. As peculiares historietas envolvendo desde personagens históricos como Carlos Magno, até figuras ficcionais como o cavaleiro Ivã, evidenciam uma premissa muito elementar: que a comida não serve meramente para saciar a fome. Seu escopo de significados é amplo, materializando-se em formas de expressar tradições, culturas, identidades. Transformar o ato de comer em ocasiões de deleite sempre afetou a economia, a política, os paradigmas intelectuais e religiosos das sociedades ao longo dos tempos. São contos gastronômicos ambientados entre os séculos centrais da Idade Média até o auge da Renascença.
Descobriremos, por exemplo, que na Roma de 1338, uma temporada especialmente chuvosa causou uma esterilidade geral da terra – e, por consequência, uma onda de fome sem precedentes sobre a população. Assim, frente à raridade do trigo e o pão impossível, as pessoas tiveram de inventar uma cozinha de emergência, em que um item popular do menu era “o cardo-marítimo cozido com menta” – combinação aparentemente só menos repugnante do que a “iguaria” que o povo de Gália, cinco séculos antes, testara também em tempos de vacas magras: pão à base de terra e farinha. Já na Veneza quinhentista, um banquete de casamento podia ser interrompido por fiscais do governo, já que a lei local impedia que numa mesma refeição fossem servidos carne e peixe juntos – e que os recém-casados não esperassem vista grossa para tamanha soberba alimentar. Se estas Histórias da mesa são verdadeiras ou puro folclore, não importa: o tempero especial de Massimo Montanari as torna terrivelmente apetitosas.