Os poemas de Um abismo atrai o outro atraem pela espontaneidade. As formas ocupam lugar secundário, estando presentes em pontos específicos para embelezar a brincadeira, mas de modo algum ditando as regras. Ninguém se deve deixar enganar pela singeleza dos versos, porém. Onde é maior a singeleza, mais crua é a sinceridade, e por isso mesmo nos afeta de surpresa. As profundezas em que o autor nos incita a mergulhar são as de sua própria alma. O leitor atento percebe que se trata de um abismo cavado a dentes trincados, com a pá furando camada atrás de camada de terra até encontrar o lençol freático onde ele, leitor, pode enxergar o próprio reflexo com nitidez assustadora. Talvez seja por isso que, nas palavras de Nietzsche, “se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você”. É Narciso que te olha lá de baixo. A identificação é inevitável. E, como a chave para curar Narciso é justamente encontrar seu eco na individualidade do outro, Um abismo atrai o outro carrega, sem dúvida, as propriedades terapêuticas da Arte.