Luiz Gustavo 13/08/2020Natalia Ginzburg escreve entre a autobiografia e a ficção, e em "Léxico familiar" ela apresenta sua família, amigos e vizinhos ao leitor, e adverte logo no início: "Neste livro, lugares, fatos e pessoas são reais. Não inventei nada". Nem mesmo os nomes foram alterados. Encontramos, nesse livro, a trajetória familiar da autora e seu olhar sobre as pessoas que a cercavam. Natalia nasceu no período posterior à primeira guerra mundial, e viveu o estabelecimento do fascismo de Mussolini na Itália, a perseguição aos judeus na segunda guerra (sua família era judia), mas, apesar do enorme peso e tensão de todos esses acontecimentos, a escrita dela é, na medida do possível, "leve". Ela relata os vários deslocamentos e fugas de sua família e de amigos, o desaparecimento e a morte de pessoas próximas, as variadas visões de mundo que havia naquela época, como a arte se tornou cada vez mais política e quais as consequências disso... O grande diferencial, a meu ver, é que tudo é relatado a partir da visão de Natalia sobre sua "vida menor", com falas e histórias que reverberavam nas conversas familiares. No prefácio do livro, Alejandro Zambra escreve que "Natalia Ginzburg não enfatiza o grande relato, o testemunho de uma época: ela escreve com precisão e fluidez, com genuíno amor às pessoas e às palavras". Sua escrita nos apresenta as falas rabugentas de seu pai, os conflitos internos de sua família, e a linguagem de sua comunidade. Não é um livro que dramatiza nem sensacionaliza grandes eventos traumáticos, e por isso acho até que ele traz um sopro de alívio em relação ao enorme número de livros que lidam com esses eventos, pois mostra que a história, embora brutal e cruel, pode ser relembrada sob outro olhar, sem esquecer ou negar todos os acontecimentos terríveis que ocorreram.