Pandora 02/09/2021Sorte é sobre a amizade improvável entre duas mulheres, uma branca e uma preta, no Brasil do século XIX. É também sobre a brutalidade de suas vidas e de sua coragem, apesar de tudo. E, finalmente, é sobre como mulheres são penalizadas somente por serem mulheres. Permeando a narrativa, a história contada e recontada da ilha mítica Hy-Brasil, na costa irlandesa, onde o mar tem cor de chumbo. [1]
Apesar da narrativa curta, Nara Vidal consegue, neste texto sensível e enxuto nos envolver na história das protagonistas, em especial na de Margareth, a narradora. Nestas poucas páginas a acompanhamos da Irlanda ao Brasil, fugindo da fome para um país escravocrata em guerra com os vizinhos (Cisplatina). Minha única ressalva é o final, contado em terceira pessoa, que me pareceu um tanto corrido, o que fez a história perder um pouco de sua força. De todo modo, é uma leitura que recomendo.
Nara Vidal mora em Londres. Em parceria com a University College London, a escritora é uma das fundadoras do Brazilian Translation Club e mantém uma livraria online especializada em literatura brasileira contemporânea, a Capitolina Books. Por três vezes, ganhou o Brazilian Press Awards na categoria Literatura, prêmio que elege os destaques da cultura brasileira no Reino Unido. Fonte: Agência Riff.
Em entrevista ao Canal Londres, no YouTube, Nara contou que demorou seis anos para escrever esta novela em virtude da pesquisa que fez, tendo, inclusive, mostrado no vídeo uma escritura original de venda de escravos, na qual se inspirou para criar a personagem Mariava. A outra personagem, Margareth, foi baseada na história contada por uma senhora que vivia no asilo onde Nara fez um trabalho voluntário de leitura. A senhora lhe disse que “tinha tido um filho, mas nunca tinha sido mãe”. Então, a autora descobriu que ela era uma daquelas mulheres irlandesas que tiveram seus filhos tomados pela igreja católica em um Asilo de Madalena. [2]
Vidal justifica a mudança de voz narrativa, ao final do livro, para a terceira pessoa, simbolizando o calar das vozes das duas mulheres.
[1] Hy-Brasil é uma ilha fantasma do Oceano Atlântico, que apareceu num mapa pela primeira vez em 1325. Segundo a lenda irlandesa, a região vivia envolta por uma névoa impenetrável, que só desaparecia em um dia a cada sete anos, único momento em que ela se tornava visível. Acredita-se que a tradição era fruto de uma miragem, mas acabou incorporada pela cultura dos povos celtas. No século 7, um monge irlandês chamado São Brandão foi um dos primeiros a saírem da Irlanda em busca da tal ilha. Estudiosos creem que ele possa ter chegado na América alguns séculos antes dos outros europeus. Fonte: IstoÉ.
[2] Os Asilos de Madalena eram instituições que existiram entre o século XVIII e o final do século XX e eram ostensivamente chamadas de casas de “mulheres perdias (mulheres caídas)”. Estes locais operaram por toda a Europa e América do Norte durante grande parte do século XIX até o final do século XX e abrigavam mulheres com deficiência física e mental, rebeldes, mães solteiras e suas filhas, vítimas de estupro e aquelas que se acreditava possuir caráter duvidoso como as prostitutas. O primeiro asilo foi fundado em 1765 na Irlanda. A instituição recebeu o nome inspirado em Santa Maria Madalena, que segundo a compreensão católica, se arrependeu de seus pecados e se tornou uma das mais fiéis seguidoras de Jesus Cristo. Fonte: Wikipédia.
Nota: Sorte ficou em 3º lugar no Prêmio Oceanos 2019.