Paula H. 23/07/2015
Uma bela obra do século XIX
Um clássico da literatura estrangeira, publicado pela primeira vez em 1881 sob o título de Tess of the D’Urbervilles: a pure woman faithfully, Tess chegou ao Brasil pela editora Itatiaia, na coleção Rosa dos Ventos, com tradução de Neil R. da Silva. A edição aqui resenhada é de 1984, com 442 páginas. Tess é a protagonista, cuja trágica história fora adaptada diversas vezes para peças de teatro, filmes e série.
"Sua obra retrata a resistência quase animal dos seres humanos, a sua luta obstinada contra a tempestade que arrasa as colheitas e a sucção das cidades industriais, que vem arruinar os campos; cada romance, de uma forma cada vez mais sinistra, vem apontar a prisão na qual as forças indiferentes do universo encerram as criaturas que irão esmagar". (trecho retirado da orelha do livro sobre a obra de Thomas Hardy)
A obra traz um mapa do Wessex, uma região da Inglaterra no qual a história se passa. Tendo em vista que a história narrada se passa no século XIX, há de se levarem alguns pontos em consideração, como os conceitos morais da época e a questão da inserção das máquinas na vida do campo, sendo que, até então, o trabalho ainda era grandemente produzido por mãos humanas, o que é constantemente demonstrado na história. O livro é dividido em sete fases, denominadas, respectivamente: a donzela; não mais donzela; a volta à vida; a consequência; a mulher paga; o convertido; e consumação.
Na primeira fase do romance, tem-se uma breve apresentação dos personagens e do que se trata a história. Inicialmente, conhece-se Jack Durbeyfield, pai de Tess, um vendedor ambulante com tendência à bebida, que, por meio de um padre, descobre ser descendente de uma antiga família nobre, os D’Urbervilles. A partir desse momento, o pai de Tess sente-se muito orgulhoso por sua descendência e firma-se na convicção de que, por ser Sir John D’Urberville, de uma família de muito prestígio e grandes terras, não deveria se submeter a trabalhos manuais. Contente com a recente notícia, John se embebeda o suficiente para não estar apto a realizar uma entrega na manhã seguinte. Nesse ponto da história já há de se ter uma visão da irresponsabilidade dos pais de Tess. Esta, como a filha mais velha – de dezesseis anos – e orgulhosa, recusa-se a pedir ajuda a outros, e, portanto, decide fazer a entrega ela mesma. No entanto, durante o caminho Tess adormece e, tragicamente, o cavalo da família é ferido e morre.
Por coincidência ou não, a mãe de Tess, tendo conhecimento de que havia uma mansão ali perto de algum D’Urberville, decide que a pequena Tess deveria ir reclamar parentesco, de modo a pedir auxílio financeiro. Não fosse a morte do cavalo da família, um dos pouquíssimos recursos deles, a qual ela se culpou terminantemente, Tess possivelmente haveria recusado a ida. Contudo, ela foi, acabando por conhecer seu suposto primo, Alec D’Urbervilles, e a trabalhar para a família deste. Decorrido alguns fatos, tendo Tess nenhum conhecimentos dos homens, ela é “enganada” pelo rapaz e acaba sendo violentada. Neste ponto termina-se a primeira fase da obra, dando início a tragédia de Tess. Segundo os conceitos morais da época, era uma humilhação à família que a moça deixasse de ser pura e não se cassasse, o que se tornou o problema de Tess durante toda a obra.
"Por aquelas colinas e vales solitários, a sua passagem tranquila e silenciosa calhava bem com o elemento em que se movia. A sua figura flexível e furtiva passava a ser parte integrante do cenário. Às vezes, a sua fantasia caprichosa dava intensidade aos processos naturais em torno dela, até parecerem fazer parte da sua própria história. Melhor, tornavam-se partes dela, pois o mundo é apenas um fenômeno psicológico, e eram, de fato, aquilo que pareciam" (p. 105).
Algum tempo após retornar a sua casa, Tess decide procurar emprego longe e esconder o seu problema, assim tentando afastar um pouco a humilhação da sua família, não aceitando a ajuda proposta por Alec, que havia viajado para Londres. Em um emprego arranjado em uma queijaria em Talbothays, Tess encontra Angel Clare, um rapaz de família religiosa que, por não seguir os mesmos princípios do pai, decide aprender a profissão de fazendeiro. Eles se apaixonam, e, apesar do que a família de Clare gostaria, isso é, de que ele se cassasse com uma “dama”, Angel pede Tess em casamento. No entanto, ele não sabia do passado de Tess.
A história, no geral, é bem desenvolvida, e possui questões bem pertinentes, como os princípios morais dos personagens que implicam em aspectos religiosos, a submissão das mulheres, e a revolução industrial, mesmo que como plano de fundo. Numa visão geral, pode-se dizer que Tess era uma mulher além do seu tempo, e, embora sendo orgulhosa, enfrentou suas dificuldades com força. Nesse romance do século XIX, há o que se questionar quanto ao mocinho e o vilão da história. Pois mesmo o Alec, que “destrói” a vida de Tess, acaba fazendo o seu “melhor” para ajudá-la. Enquanto que Angel, que parecia ser o mocinho a trazer felicidade a Tess, acaba por trazer mais dificuldades a jovem.
"Cruel o próprio autor que, em momento nenhum, liberta a personagem do labirinto terrível em que se meteu à custa de um erro. Nem tudo, porém, é trágico – e a tragédia nunca se apresenta mórbida. Passagens e mais passagens se sucedem, impregnadas de uma poesia que outro, não sendo Hardy, dificilmente conseguiria fazer natural e humana. Esses momentos de poesia são momentos de felicidade que, afinal, justificam que se pergunte: apesar de todos os seus sofrimentos, não terá tido neles a heroína a sua compensação?" (trecho retirado da orelha do livro sobre a obra de Thomas Hardy)
Apesar de alguns pontos negativos recomendo a leitura tanto por ser um clássico quanto por possuir uma boa história. Quanto à edição, há alguns erros, que indicam que o livro necessitaria de uma melhor revisão.
Quanto às adaptações, pude assistir duas – o filme de 1979 e a série de 2008 – que, convém dizer, ficaram boas. O filme de Roman Polanski, de 1979, tem, no papel de Tess, a atriz Nastassia Kinski, que, embora tenha atuado bem, a meu ver, não conseguiu captar bem a visão que tive da Tess do Thomas Hardy. E, nesse ponto, a série da BBC de 2008 se superou, pois a Gemma Arterton trouxe uma Tess mais “viva”. Por serem adaptações, possuem, evidentemente, suas diferenças. Um exemplo bem claro, no último episódio da série da BBC, é que há inserção de cenas finais que não constam do livro. Os cenários, os atores e a trilha sonora de ambos conseguiram transmitir a história da bela obra de Hardy, contudo, a recomendação primeira seria o livro, que é simplesmente incrível, apesar de ter uma leitura um pouco mais densa.
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