Suênya 28/01/2024
@poecitando
?Em Louvor da Sombra? é um ensaio sobre a temática da transformação da cultura e cotidiano japonês com a chegada da energia elétrica na virada do século. Embora o ensaio só considere o aspecto que oferecem resistência às mudanças elétricas, obviamente as páginas extrapolam o tema principal e desbocam numa interessante análise da estética japonesa e no próprio modo de vida desse País.
Ocorre que o assunto é permeado por um contexto bem mais amplo: o Japão de 1930 e o Imperialismo Japonês, responsável por um sentimento de aversão a tudo que diz respeito ao Ocidente, tendo sido esse Império o responsável por fazer surgir um ânimo que favorecia o chamado ?retorno ao Japão?. É essa valorização da tradição cultural do Japão, que voltou a ter força com a ascensão do nacionalismo militarista, que transformou o cenário existencial do País.
Assim, havia uma dicotomia escancarada entre o Ocidente e o Oriente, uma distinta tensão entre a tecnologia ocidental e a ?cultura recôndita? da tradição local: ?[...] o que aflora ao longo do texto é sobretudo o que resta de sombra e de resistência à luz em cada detalhe do cotidiano japonês?. Sob esse ponto de vista, empréstimos da cultura ocidental são considerados desvantagens.
Muito se discute, no entanto, acerca da verdadeira intenção de Tanizaki ao escrever esse ensaio. Isso porque sua obra é dividida em duas fases: a que tece elogios ao Ocidente e outra, que o rejeita. O embate entre essas duas versões e a incongruência repentina no comportamento de Tanizaki em seus textos leva alguns críticos a levantarem a hipótese de que o ensaio teria sido uma paródia do contexto vivido, não um elogio; uma crítica tanto ao nacionalismo vigente como à nostalgia à tradição. Considera-se até mesmo que essa hipótese abalaria qualquer seriedade que o ensaio pudesse ter.
Evidentemente, aqui Tanizaki está em favor da sombra e vê a energia elétrica como um elemento potencial à destruição da tradição japonesa. O livro, então, se inicia com o autor discorrendo sobre a impossibilidade de se construir uma casa no puro estilo arquitetônico japonês, visto que agora existem dificuldades para conciliá-las com as invenções modernas.
Os que desejavam manter a pureza da cultura japonesa teria de se valer de malabarismo para intercalar ambas as tradições. Observa, entretanto, que é quase impossível resistir às inovações diante da pressão que elas exercem. Não obstante, reconhece os benefícios dessas novidades, se opondo mesmo ao fato de que os japoneses falharam em adaptar tais invenções aos seus gostos e modo de viver.
Ele divaga, portanto, sobre como poderia ter sido diferente tanto a cultura japonesa quanto a sociedade em geral se o oriente tivesse tido sua própria cultura científica sem empréstimos alheios. Ele acredita especialmente que mesmo inventos de ordem prática, se pensados ao modo japonês, teriam alterado a política e a religião e iria ainda mais adiante, influindo na própria ordem do mundo.
Para ele, certamente haveria uma diferença extrema, pois orientais e ocidentais possuem maneiras de pensar completamente opostas, sem nenhuma conexão. Tais diferenças se apresentam desde ao material do papel utilizado por esses povos até o aspecto de ordem intelectual e espiritual. O papel orienta, por exemplo, seriam como folhas ?frescas e úmidas que transmitem aconchego e paz de espírito?, e tudo nele é trabalhado para despertar tais sensações.
O ocidente, ao contrário, seria envolto em luz, o que contradiz a predileção da cultura nipônica por sombras. Na verdade, mais que uma preferência, é como se a sombra fosse a própria constituição do Japão. O Oriente é profundamente estético; e é como se essa esteticidade sombria e imponente fosse elemento natural e imprescindível da vida, o resultado de uma adaptação ao meio. Até na composição de suas peles há sombras. Tudo no Oriente só poderia ser visto em sua verdadeira beleza e misticidade pela treva: ?seja em pedras ou em utensílios, nosso gosto é pelo brilho mortiço que remete ao lustro dos anos?.
Desse modo, os japoneses brincam e manipulam as cores em seu favor. Faz parte da natureza oriental essa característica de valorizar a sombra, utilizando-se dos meios que estão disponíveis. Em contraponto, enquanto os japoneses contentam-se, os ocidentais nunca estão satisfeitos e por essa razão sempre perseguem a iluminação que desnuda ? japoneses creem que certas coisas são melhores senão vistas.
Para Tanizaki, o mundo das sombras desaparecia, mas um pouco dele ainda podia ser resgatado nos teatros e escritos, tendo ele deixado sua parcela de colaboração e memória nestes últimos.
É com a descrição cativante e minunciosa de aspectos banais da vida cotidiana japonesa que Tanizaki nos apresenta traços característicos da cultura japonesa. Ao final da leitura, uma grande impressão é deixada e você é capaz de se perguntar e refletir por qual motivo realmente parece que ambientes japoneses parecem sempre tão aconchegantes e primitivos, beirando quase o transcendental. Mas talvez não haja como saber...