spoiler visualizarcaio.lobo. 26/05/2021
Sarcasmo com a tradição, sarcasmo que enaltece a tradição.
Quando pego o livro e vejo o que os outros falam sobre ele logo achamos que é um tratado estético. Depois que começo a ler percebo que é um tratado sarcástico e que quase ninguém realmente o compreendeu. Tanizaki começa falando das dificuldades de unir a modernidade elétrica às casas tradicionais, então começar a propor situações esdrúxulas de como esconder a fiação elétrica. Chego a pensar que é um leigo, sem compreensão nenhuma, dando palpites. Porém logo vejo uma certa acidez em sua linguagem, enaltecendo a modernidade ocidental e ironizando o tradicionalismo oriental. Faz um pomposo texto falando das latrinas japonesas que ficam numa casinha fora da casa principal; cita deliciosamente o "prazer" de atravessar o quintal numa noite de chuva e acocorado sobre um buraco sente um prazer requintado, não de fazer cocô, mas de ouvir a bicharada fazendo barulho lá fora num recanto escuro, que impossibilita comodidade. Ali de cócoras ele encontra o êxtase do zen.
O autor nos faz rir com seu nosense muitas vezes; fala que se a ciência moderna tivesse surgido no Japão toda ela teria características orientais, até mesmo o átomo seria diferente. Fala da prata não polida, escura por conta do envelhecimento, sujeira e sebo das mãos, algo aparentemente enraizado na cultura japonesa e o brilho extremo é angustiante; porém as empregadas costumam se esquecer desse longo costume e lustram o metal, deixando todos horrorizados. Sarcasticamente fala de como os japoneses exaltam a pedra jade, leitosa e sem brilho, e não se interessam por cristais brilhosos que vêm aos milhares do Chile. Não se interessam mas importam aos montes de outro país. Enfim, exalta tanto a cores escuras e se questiona o porquê dos hospitais serem brancos, pois poderiam ser de cores mais escuras também.
Tudo parece ser ode contra a tradição, mas deixando de lado os inconvenientes da latrina escura à noite e o mal polimento dos metais, começo a perceber uma nostalgia que sente da penumbra que havia no teatro Nô, quando não tinha luz elétrica. Ir aos banheiro no escuro não é bom, mas assistir uma peça teatral nessa penumbra ressalta as cores do vestido e principalmente da pele japonesa, e a luz deixa tudo menos belo nesse tipo de ambiente. Começa aqui uma crítica sutil ao estilo ocidental, onde a luz invade tudo, destrói paisagens que são maravilhas na escuridão, excesso de lâmpadas que causam calor e luminosidade artificial que até apaga a luz do luar.
Da mesma forma que a sombra destaca as cores e principalmente o branco nos detalhes, o sarcasmo do autor em relação a sua tradição na verdade está ressaltando o jeito certo de ser, que é somente correto na perspectiva japonesa. Qual a teoria dele para que o japonês louve tanto a sombra? A cor da pele. Enquanto o europeu que tudo luminoso e branco como ele, japonês que é de um branco de outra tonalidade, talvez um creme bastante claro, quer transformar esse branco em branco absoluto através do contraste.
O que representa luz e sombra? Luz e a modernidade e sombra é tradição, mas nada fica belo sem tradição e deixar saber usar a sombra transforma o ambiente muito mais que a luz. Entretanto só sombra é trevas e até a sombra precisa de um pouco de luz. É angustiante ver a sombra deixando de existir, para o japonês é deixar de existir a própria essência, mas é sempre um conflito de gerações: a modernidade enaltece os jovens e prejudica os velhos e a tradição paralisa os jovens mas sublima os velhos. Lembre-se que seremos velhos daqui um tempo. Tanizaki é um autor entre modernidade e tradição, sarcástico com os dois, um estilo que me maravilhou e que não vi nada semelhante ainda.
Detalhe: do nada o autor começa a passar uma saborosa receita de sushi com foljas de caqui quase no final da obra.