Katielly 03/12/2021
A composição do sal
Chegamos à última página de um conto de Baudoin e nos perguntamos: o que foi que nos contaram exatamente? Qual é o verdadeiro argumento, a autêntica trama da história? (...) alguma coisa essencial nos escapa. O que foi que não vimos? O que não deveríamos ter perdido? (Manguel. A confissão postergada, Nova York, 2015).
A citação acima traz um ponto central dos contos de Magela. O não-dito, como disseram no encontro de discussão do livro, é o fio condutor das narrativas. No começo, confesso, os contos não me encantaram, eu não estava gostando, sentia preguiça de retornar para as histórias. Talvez seja o cansaço (final de ano é sempre tão complicado), ou não, talvez seja o desânimo de ler contos, embora eu goste, sim, do gênero. Só que acabo lendo mais romance. Mas, acredito que o incômodo era o não-dito. O conto, às vezes, é o imediato. Nem sempre tudo é explicado minuciosamente e isso pode causar uma certa estranheza. Depois de avançar me entreguei mais. Ah! E como eu amei!
Alguns contos possuem muita poesia e uma escrita tão linda. ?Moebia?, o sétimo conto, por exemplo, é um conto erudito no meu ponto de vista. A autora cita que de Aristóteles a Nietzsche os conceitos de beleza e feiura se mantém. Além do mais, são histórias que nos escapam: invisíveis aos nossos olhos, não faladas, é o movimento do cotidiano que não reparamos. Mas a autora capta isso, constrói contos que nos tocam.
Outro aspecto interessantíssimo dos contos é a simplicidade dos personagens. O conto nomeado ?A noite da estreia? exemplifica bem esta simplicidade. Retrata um tintureiro que vê sentido e significado no seu trabalho. As roupas, para ele, têm uma importância. Sabia disso. Aliás, foi graças a uma roupa, que decidiu criar coragem para realizar algo que tanto desejava. Alguns contos são mais longos, outros mais curtos. Há contos que falam sobre o amor, a solidão, a saudade e há um conto que nos faz até conhecer um pouco sobre as irmãs Bronte, por meio de uma conversa entre avó e neta que estão tendo momentos complicados. As relações humanas estão escancaradas no livro.
Por fim, como Manguel escreveu, algo essencial nos escapa. Precisei voltar, algumas vezes, para tentar entender. Os últimos contos foram os meus preferidos. Magela Baudoin me conquistou, fiquei contente de ter lido uma autora boliviana. Temos muitas vozes latino-americanas potentes e quero sempre conhecer mais.