Os Bestializados

Os Bestializados José Murilo de Carvalho




Resenhas - Os Bestializados


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Ogaiht 11/05/2021

A República que Não Foi
O fim do regime monárquico e a instauração do regime republicano foi uma época de grandes expectativas por mudanças no país. Porém, vemos que pouca coisa muda depois da instauração do novo regime. O direito ao voto continua restrito aos que possuem mais dinheiro e vetado aos analfabetos e pobres. A exclusão e a desigualdade existentes no Império permaneceram na República. Vemos que o golpe que pôs fim à Monarquia nada mais era do que uma tentativa das oligarquias de manter seu status e que esse movimento não contou com o apoio das massas. Talvez por isso pouca coisa tenha mudado com instauração da República. Uma leitura bem leve e fácil, que nos mostra que vários aspectos dessa sociedade do final do século XIX e início do século XX ainda permanecem na nossa sociedade atual.
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Anderson.Fernandes 29/01/2021

República já começou mal
Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi
José Murilo de Carvalho

É um livro bem interessante, eu diria que seria algo como um livro técnico de história. Tem que ler com calma e atenção. Tem partes que são excertos de jornais da época e estes possuem arcadismos que não conhecemos mais, sendo necessário busca em dicionário. Voltando ao tema do livro, ele aborda como era a sociedade civil carioca nos primeiros anos pós proclamação da República. Em síntese estas eram as principais características:
• O povão assistiu a proclamação da República Bestializado (surpreso).
• O povão não via na instituição da República algo acessível, não se interessava por assuntos políticos e queria levar a sua vida, trabalhar e ser incomodado o mínimo possível pelo Estado.
Haviam muitos defensores da República e que em suas colunas nos jornais defendiam que o povo queria participar mais das decisões políticas, que com a República o povo teria acesso à cidadania, e que com a República o povo iria governar - típica baboseira que vemos hoje em dia, onde jornalistas, influencers e famosos defendem idéias totalmente descoordenadas da realidade. A massa trabalhadora não estava nem aí para isso. Eles se associavam e participavam das festas religiosas, do carnaval, de entidades étnicas e comunidades de trabalhadores.
A massa de trabalhadores tinha mais conexão com a monarquia, com uma visão onde o monarca era o seu patriarca. Com a República era algo abstrato, que não se entendia, ou não se dava a mínima.
Através de passagens de jornais o livro mostra que a República no Brasil era uma espécie de cópia malfeita da Europa. Isto porque não houve no Brasil um crescimento de idéias e estudos de pensamento republicano, tampouco um absorção do público sobre o que era uma república, suas características, estruturas de participação na política, etc etc. Os apoiadores queriam uma república basicamente porque aquilo estava na moda. O cidadão brasileiro, súdito do imperador, não sabia nem queria saber o que era república. Tanto é que após o golpe da república, evidenciou-se isto pela falta de participação política. Não saíam para votar, não formavam partidos, não iam a reuniões de entidades políticas. Povo era indiferente. Muitos partidos políticos eram formados, duravam algum tempo e se extinguiam.
Livro também cita passagens de jornais falando de quão perigoso era votar. Tinha pancadarias e agressões. Candidatos contratavam jagunços e capoeiras para intimidar as pessoas e bater em oponentes (oponentes leia-se qualquer cidadão que não vote nele e/ou olhar atravessado para o mesmo). De modo que o cidadão que queria paz nem saía de casa nos dias de eleição.
O maior capítulo do livro é sobre a famosa Revolta da Vacina. Traz dados de censo, quantas pessoas foram feridas, mortos, dados jornalísticos sobre quebra-quebra. Aliás o livro diz que a forma que o povo tinha de se relacionar com o governo era um modo reativo. Quando a República/Governo fazia algo que o contrariasse muito, ocorriam quebra-quebra. Postes, bondes, paralelepípedos. Se fosse pouca coisa, não dava nada, o povo é manso. A vacina foi um pouco disso. Povo não queria o governo se intrometendo em suas casas, aplicando vacinas nas donas do lar sem o marido estar em casa, somado ao fato de já ter um estresse acumulado devido a muitos despejos e desmontes de cortiços, destruição de moradias sujas e insalubres, promovido pelo prefeito Pereira Passos. Aliás, prefeito que fez um longo trabalho de construções públicas seguindo e inspirado pela arquitetura Haussmann parisiense. A dupla Pereira Passos e Osvaldo Cruz, este último na área da saúde, fizeram trabalhos bons e positivos na melhoria da saúde da população carioca. Além dessa questão intrusiva que incomodava o povo, os militares queriam dar um golpe no governo e atiçavam multidões e formaram grupinhos(hoje em dia isto é chamado de coalizões) para tentar aplicar um golpe no governo. Teve combates entre militares pró e militares contra governo, deserções de militares revoltosos e governo chamou Marinha e Exército para combater os rebeldes. No final muitos foram banidos para o Acre e a população se acalmou. Esses banimentos eram sumários, sem julgamento nem nada. Manda pro Acre e acabou-se. Entre os banidos, destaque para o marginal Prata Preta. Conhecido capoeira perigoso na cidade, matou policiais e à muito custo foi preso e metido em camisa de força. Mesmo em camisa de força continuou xingando os policiais e querendo briga. Foi banido para o Acre. No navio brigou e porrou os outros presos de modo que se tornou chefe dos outros banidos. Cara brabo!
Segue abaixo alguns trechos que destaquei no livro:

[...]
“Pouco antes da república, o embaixador Português anotava: “Está a cidade do Rio de Janeiro cheia de gatunos e malfeitores de todas as espécies”. Em proposta para regulamentação do serviço doméstico, feita à Intendência Municipal em 1892, Evaristo de Moraes observava que havia na capital “gente desocupada em grande quantidade, sendo notável o número de menores abandonados”.


Essa população poderia ser comparada às classes perigosas ou potencialmente perigosas de que se falava na primeira metade do século XIX. Eram ladrões, prostitutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes de repartições públicas, ratoeiros, recebedores de bondes, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptadores, pivetes(a palavra já existia). E, é claro, a figura tipicamente carioca do capoeira, cuja fama já se espalhara por todo o país e cujo número foi calculado em torno de 20 mil às vésperas da República. Morando, agindo e trabalhando, na maior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha, tais pessoas eram as que mais compareciam nas estatísticas criminais da época, especialmente as referentes à contravenções do tipo desordem, vadiagem, embriaguez, jogo. Em 1890, essas contravenções eram responsáveis por 60% das prisões de pessoas recolhidas à Casa de Detenção.”
[...]
“Os velhos problemas de abastecimento de água, de saneamento e de higiene viram-se agravados de maneira dramática no início da República com o mais violento surto de epidemias da história da cidade. O ano de 1891 foi particularmente trágico, pois nele coincidiram epidemias de varíola e febre amarela, que vieram juntar-se às tradicionais matadoras, a malária e a tuberculose. [...] A cidade tornara-se, sobretudo no verão, um lugar perigoso para viver, tanto para nacionais quanto para estrangeiros. Nos meses de maior calor, o corpo diplomático fugia em bloco para Petrópolis a fim de escapar às epidemias, nem sempre com êxito. O governo inglês concedia a seus diplomatas um adicional de insalubridade pelo risco que corriam representando Sua Majestade.”
[...]
“Pelo lado econômico,[...] grandes agitações. [...] origem de tudo remontava à abolição da escravidão. [...] devido à necessidade de aplacar os cafeicultores, o governo imperial começou a emitir dinheiro, no que foi seguido com entusiasmo pelo governo provisório, este preocupado em conquistar simpatias para o novo regime. Concedido o direito de emitir a vários bancos, a praça do Rio de Janeiro foi inundada de dinheiro sem nenhum lastro, seguindo-se a conhecida febre especulativa, bem descrita no romance de Taunay, o Encilhamento. [...] As consequências não se fizeram esperar. Desde logo, houve enorme encarecimento dos produtos importados [...] A seguir, a inflação generalizada e a duplicação dos preços já em 1892. AO mesmo tempo, começou a queda do câmbio, encarecendo mais ainda os produtos de importação, que na época abrangiam quase tudo. Em 1892 já era necessário o dobro de mil réis para comprar uma libra esterlina; em 1897, o triplo. Por cima, o governo aumento os impostos de importação e passou a cobrá-los em ouro, o que contribuiu ainda mais para o agravamento do custo de vida. [...] Até o embaixador inglês sofreu as consequências [...] encaminhou pedido ao Foreign Office [...] até quando podemos esperar que o povo brasileiro aceite carregar tal peso?”

[...]
“Os militares tinham provado o poder que desde o início da Regência lhes fugira das mãos. Daí em diante julgaram-se donos e salvadores da República, com o direito de intervir assim que lhes parecesse conveniente. Rebelavam-se em quartéis, regimentos, fortalezas, navios, A Escola Militar, a esquadra nacional em peso. Generais brigavam entre si, ou com almirantes, o Exército brigava com a Armada, a polícia brigava com o Exército. Por seis meses, a esquadra rebelada bloqueou o porto e bombardeou partes da cidade, causando pânico, deslocamentos maciços de população para os subúrbios, ameaças de saques. Os operários, ou parte deles, acreditaram nas promessas do novo regime, tentaram organizar-se em partidos, promoveram greves, seja por motivos políticos, seja em defesa de seu poder aquisitivo erodido pela inflação. [...] Pequenos proprietários, empregados, funcionários públicos também se mobilizaram pela primeira vez no bojo da xenofobia florianista, organizando clubes jacobinos e batalhões patrióticos. [...] Quebravam jornais, promoviam arruaças, [...] espancavam e matavam portugueses, perseguiam monarquistas, assassinavam inimigos. Em 1897 tentaram matar o presidente da República, depois de terem feito o mesmo com o último presidente do conselho de ministros da Monarquia. Políticos republicanos e monarquistas assinavam manifestos, envolviam-se em conspirações, planejavam golpes. [...] e havia ainda os positivistas, que exultaram com o advento do novo regime, julgando ter chegado a hora, a que se consideravam destinados, de exerceram a tutela intelectual sobre a nação. ”
[...]
Da invasão da Câmara Municipal a 15 de novembro de 1889, [...] participaram vários intelectuais. [...] como José do Patrocínio, [...] Olavo Bilac, Luís Murat, Pardal Mallet. Um mês depois, intelectuais do Rio enviaram um manifesto de entusiástico apoio ao governo provisório, em que se referiam à aliança entre os homens de letra e o povo. A pátria, dizia o manifesto, abrira as asas rumo ao progresso. “a literatura vai desprender também o voo para acompanha-la de perto”. O entusiasmo durou até o governo Floriano, quando se deu um cisma entre os intelectuais, e alguns dos antigos entusiastas da República tiveram de fugir da capital para evitar a prisão.”
[...]
“Mais difícil de avaliar é o impacto da proclamação do novo regime a nível das mentalidades. [...] Não seria exagerado dizer que a saída da figura austera e patriarcal do velho imperador, que imprimia forte marca em toda a elite política e mesmo em setores mais amplos da população, significou a emancipação dos que seriam simbolicamente seus filhos. A mudança parece ter sido importante sobretudo no que se refere a padrões de moral e de honestidade. [...] Desabrotou o espírito aquisitivo solto de qualquer peia de valores éticos, ou mesmo de cálculo racional que garantisse a sustentação do lucro a médio prazo. [...] A quebra de valores antigos foi também acelerada no campo da moral e dos costumes. [...] parece-me que o antes era semiclandestino, sussurrado, adquiriu com a República [...] foros de legitimação pública. O pecado popularizou-se, personificou-se.”
[...]
“Mas há um ponto que é preciso salientar. O fato de a República ter favorecido o grande jogo da bolsa e perseguido capoeiras e o pequeno jogo dos bicheiros sugere uma recepção diferente do novo regime por parte do que poderia ser chamado de proletariado da capital. [...] Eu diria mesmo que a Monarquia caiu quando antigia seu ponto mais alto de popularidade entre essa gente, em parte como consequencia da abolição da escravidão. A abolição deu ensejo a imensos festejos populares que duraram uma semana e se repetiram no ano seguinte, cinco meses antes da proclamação da República. A simpatia popular se dirigia não só à princesa Isabel, mas também a Pedro II, como ficou evidenciado por ocasião da comemoração do aniversário do velho imperador, a 2 de dezembro de 1888. Segundo o testemunho do republicano Raul Pompeia, o Paço Imperial foi invadido por “turba imensa de populares, homens de cor a maior parte”. A polícia teve de intervir para convencer alguns dos manifestantes de que pelo menos vestissem camisa para se apresentarem ao imperador. No meio da multidão, salientava-se a imponente figura do príncipe Obá, um negro que se dizia rei africano. Príncipe Obá adornara de penas sua farda de alferes honorário. [...] A reação negativa da população negra à República manifestou-se antes mesmo da proclamação, através da Guarda Negra organizada por José do Patrocínio. Vários incidentes [...] o mais sério de todos se deu com a interrupção, que resultou em mortos e feridos[...] os republicanos não conseguiram a adesão do setor pobre da população, sobretudo dos negros. O próprio Silva Jardim, ao acompanhar o conde d’Eu em sua viagem ao norte do país em 1889, experimentaria mais uma vez, em Salvador, a ira da população negra. Por ele e pela República manifestaram-se apenas os estudantes da Faculdade de Medicina local. A simpatia dos negros pela Monarquia reflete-se na conhecida ojeriza que Lima Barreto, o mais popular romancista do Rio, alimentava pela República. Neto de escravos, filho de um protegido do visconde de Ouro Preto, o romancista assistira, emocionado, aos sete anos, às comemorações da abolição e às festas promovidas por ocasião do regresso do imperador de sua viagem à Europa, também em 1888. [...] vira no ano seguinte seu pai, operário da Tipografia Nacional, ser demitido pela política republicana.

[...]
“Dissociava-se o governo municipal da representação dos cidadãos. O fato era agravado pela frequente nomeação de prefeitos e chefes de polícia totalmente alheios à vida da cidade, muitas vezes trazidos dos estados pelos presidentes da República. [...] do espírito de república, guardavam no máximo alguma preocupação com o bem público, desde que o público, o povo, não participasse do processo de decisão. O positivismo, ou certa leitura positivista da República, que enfatizava, de um lado a idéia do progresso pela ciência e, de outro, o conceito de ditadura republicana, contribuía poderosamente para o reforço da postura tecnocrática e autoritária.”

[...]
“No que se refere à representação municipal, ela ficava solta, sem ter de prestar contas a um eleitorado autêntico. A consequência foi que se abriu por esse modo o campo para os arranjos particularistas, para as barganhas pessoais, para o tribofe, para a corrupção. E então fechou-se o círculo: a preocupação em limitar a participação, em controlar o mundo da desordem acabou por levar à absorção perversa desse mundo na política. Ao lado de funcionários públicos, passaram a envolver-se nas eleições e na política municipais, por iniciativa dos políticos, os bandos de criminosos e contraventores do estilo de Totonho e Lucrécio Barba de Bode, descritos por Lima barreto, os donos das casas de prostituição e de jogo. Eram esses malandros, no sentido que tinha a palabra na época, os empresários da política, os fazedores de eleições, os promotores de manifestações, até mesmo a nível da política federal. A ordem aliava-se à desordem, com a exclusão da massa dos cidadãos que ficavam sem espaço político. O marginal virava cidadão e o cidadão era marginalizado” – Nota minha: e esta situação perdura até hoje.


Nota final: É um livro com muitas notas, e entre elas me chamou atenção para buscar a leitura de outros livros, a saber:
José Vieira, O Bota-Abaixo. Chronica de 1904
Thomas Ewbank, Life in Brazil, or A Journal of a Visit to the Land of the Cocoa and the Palm
Mary Karasch, Rio de Janeiro: from Colonial Town to Imperial Capital (1808-1850)
Plácido de Abreu, Os capoeiras.
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Tiago Souza 24/02/2023

Como o passado reflete nosso futuro
Impressionante como é possível compreende melhor a sociedade, e principalmente a sociedade brasileira hoje, olhando e analisando seu passado.
Nesse livro, José Murilo, brilhantemente narra o começo de nossa república ( se é que podemos chamar assim), uma população não política e não participativa desde seu início, a mercê de tudo que seria importante para a evolução da república e da sociedade, fato hoje ainda presente na nossa sociedade, e muito se explica os motivos nessa obra.
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Ronald.Willian 31/03/2023

Uma importante análise sobre os primeiros anos, pós proclamação da República no Brasil.
José Murilo de Carvalho desenvolve esse brilhante livro a partir do questionamento atribuído a Aristides Lobo.
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giu 04/07/2022

Bestializados ou Bilontras?
Eu gostei muito mais do que esperava dessa leitura.

Tudo bem que eu não a pessoa certa para indicar livro desse estilo, pq li muito pouco e tenho o conhecimento histórico que adquiri no ensino médio. Porém, deixo aqui a recomendação para quem -assim como eu- ama estudar sobre a formação do nosso país mas não quer se aventurar por nada muito complexo.

A obra é muito didática e repleta de dados, fontes e contextualizações. São páginas muito ricas em conhecimento histórico, nunca havia lido nada parecido sobre a República.

A Revolta da Vacina sempre me chamou muito a atenção nos estudos e lendo fica claro o quanto ela foi um marco na nossa sociedade e como o Rio de Janeiro é um perfeito reflexo de quem somos até os dias de hoje.
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Guarilha 27/01/2014

No final do século XIX, um golpe militar derrubou a Monarquia e instaurou a República no Brasil sem qualquer participação popular, fato que decepcionou alguns dos defensores do novo regime. Segundo eles, o povo assistiu a tudo bestializado e por muito tempo permaneceu à margem de qualquer participação política, especialmente no Rio de Janeiro, capital e centro cultural do país. Seria uma visão preconceituosa de estrangeiros e de brasileiros elitistas ou culpa do próprio sistema?

O brasileiro não gostava de política, não se via como participante ativo do governo e não se sentia parte integrante e importante do Estado; mas era capaz de enfrentá-lo se julgasse que sua intromissão extrapolava certos direitos, especialmente morais e econômicos. A República, por não corresponder aos anseios do povo e por mantê-lo distante do processo eleitoral, ganhou sua apatia.

Neste livro, José Murilo de Carvalho, um dos mais importantes historiadores brasileiros, dá uma aula de sociologia. Com base em vasta documentação e com o auxílio de várias tabelas, ele mostra um panorama do Brasil do início do século passado, e explica as razões que levaram o brasileiro a ser tão apático à participação política, mas muito interessado nas associações, nas festas, no samba e no futebol.

Embora o livro dê um panorama do brasileiro que acabou de sair de uma Monarquia e entrar na República, o que nele está escrito – a linguagem é acadêmica, o que torna a leitura por vezes cansativa – pode ser aplicado ao brasileiro de hoje que, apesar de estar um pouco mais integrado ao governo, ainda está bestializado.
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Vivi 05/01/2012

O BRASIL NÃO TEM POVO, TEM PÚBLICO?
A frase que intitula esta resenha: o Brasil não tem povo, tem público, dita pelo escritor Lima Barreto, não foi a única expressão de descontentamento dirigida aos brasileiros no inicio da primeira República. Aristides Lobo, entusiasta da República afirma em carta ao Diário popular de São Paulo: “…o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar”. Da mesma maneira afirmou o biólogo francês Louis Couty, diante do mesmo evento, “O Brasil não tem povo”. É a partir desse sentimento, de decepção, diante da (não) participação popular nos acontecimentos que culminariam na república que José Murilo de Carvalho lança o problema central do livro: discutir o relacionamento entre o cidadão e o Estado, o cidadão e o sistema político.
O livro “Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi” foi publicado em 1987 e traz uma coletânea de artigos do mesmo autor publicados em periódicos na década de 1980. Sociólogo, José Murilo de Carvalho traz como referencial teórico, o também sociólogo T. H. Marshall, referencia central no que diz respeito à cidadania. Marshall distingue três dimensões básicas da cidadania, a saber: a dos direitos civis, a dos direitos políticos e a dos direitos sociais. Essas dimensões são especificas do caso inglês, no Brasil, afirma Ângela de Castro Gomes, o acesso aos direitos de cidadania não seguiu essa seqüência clássica e sempre dialogou com os exemplos europeus e norte-americanos, ou seja, continua a autora, em nossa experiência pode-se dizer que ocorreu uma espécie de superposição de demandas por direitos, especialmente após a proclamação da República .
O pensamento de Bryan S. Tuner, também contribui na construção do argumento de José Murilo. Tuner apresenta as diferentes tradições de cidadania a partir de dois eixos principais, o primeiro indica a direção do movimento que produz a cidadania: de baixo para cima ou de cima para baixo . Enquanto o segundo se apresenta a partir da dicotomia público/privado, ou seja, a cidadania pode ser adquirira dentro do espaço público, mediante a conquista do Estado, ou dentro do espaço privado, mediante as afirmações dos direitos individuais . A partir dessa análise José Murilo de Carvalho enquadra o Brasil, juntamente com a Alemanha, dadas as suas especificidades, na visão de cidadania construída de cima para baixo dentro de um espaço privado .
O livro, como já foi dito, é uma coletânea de artigos que buscam entender quem eram, qual o imaginário político e as práticas políticas que permeavam as pessoas que viveram os primeiros anos da república. Para tanto o livro foi dividido em cinco capítulos que serão tratados a seguir.
O primeiro capítulo intitulado O Rio de Janeiro e a República, apresenta a capital do país nos primeiros anos da república, suas transformações políticas e sociais. Neste capítulo o autor justifica a escolha da cidade como objeto de estudo, sendo esta a maior cidade e capital política, econômica e cultural do país (p. 16).
Dialogando com o problema central do livro, José Murilo traz um panorama da população, quem eram, como moravam, como lidavam com os problemas econômicos, etc. Todos esses fatores estavam interligados com as ideologias trazidas da Europa e as esperanças vindas do novo regime, a possibilidade de intervir na política. No entanto, pouco tempo depois essas esperanças caíram por terra, o novo regime não foi bem recebido pelo proletariado que não sentiu as mudanças quanto ao novo regime e a monarquia atingiu seu mais alto índice de aprovação. Diante destas situações, segundo o autor, formou-se não uma república, mas “repúblicas”, nas quais o poder do Estado ousará, mas não conseguirá dominar.
Repúblicas e cidadania, lança-se o segundo capítulo, que tem por objetivo verificar o problema da cidadania. A nova mentalidade do cidadão burguês, com sua sede insaciável pelos lucros, se mostra de forma crescente na república, enquanto que a última distingue cada vez mais seu povo.
A república se tornara uma “pátria” na qual seus filhos eram divididos em cidadãos ativos e inativos, os primeiros além dos direitos civis possuíam também os direitos políticos, quanto aos segundos, restavam-lhes o direito da cidadania. A nova ordem tornou-se antidemocrática e resistente aos esforços democratizantes. As várias frentes que constituíam o movimento republicano geraram as “várias concepções de cidadania” que o autor apresenta, o exercito formara o soldado-cidadão – variação da constituição norte-americana que defendia o direito do cidadão se armar contra o estado – enquanto que os operários do Estado geraram aquilo que José Murilo chama de “estadania”, quando a cidadania requer apenas os direitos civis e sociais e rejeita os direitos políticos, cabendo ao Estado – paternalista – conceder esses direitos. A decepção com a república logo aparece e os movimentos anarquistas apresentam uma rejeição à ordem política e, conseqüentemente rejeitam a cidadania.
Após avaliar as propostas de cidadania José Murilo afirma que esta deve ter como contraponto “o estudo dos candidatos a cidadãos e das praticas concretas de participação política” (p. 66). O autor desenvolve seu objetivo a partir da visão que os estrangeiros tinham do povo brasileiro e questiona o modelo de povo que estes buscavam. Para responder a esta questão estabelece-se no livro o envolvimento que o povo tinha diante das práticas políticas e chega-se a conclusão de que o termo certo a se adotar seria “povos”, o Brasil não tinha povo, no singular, mas sim povos e entre estes apenas o “bom povo” participava das práticas políticas. Dentre esses povos, existiam os bons e os maus, os bons seriam aqueles que se enquadravam do modelo europeu de “cidadão”. Para avaliar o termo “povos” o autor, através dos censos, define a população fluminense. Essa população na avaliação do autor está dividida entre brasileiros e estrangeiros, sobretudo portugueses, e entre os brasileiros “grande parcela se colocava fora do mundo organizado do trabalho, numa situação em que era difícil a percepção dos mecanismos que regiam a sociedade e a política” (p.83).
Ainda avaliando a participação popular na política o autor analisa o eleitorado do Rio de Janeiro e observa que o novo regime regrediu quanto à ampliação dos direitos políticos, chegando mesmo a excluir 80% da população do direito político do voto. Além deste, outro agravante diminuiu a participação política dos cidadãos aptos à votar, a auto-exclusão, esta se dava por dois motivos: as fraudes eleitorais e a insegurança. Assim, a partir dessas conclusões José Murilo afirma: “o Rio não tinha povo” este “dedicava suas energias participativas e sua capacidade de organização a outras atividades. Do governo queria principalmente que o deixasse em paz” (p. 90).
No capítulo seguinte o autor tenta capturar o que seriam os direitos e deveres na relação entre indivíduo e Estado a partir de uma das “outras atividades” nas quais o povo “dedicava suas energias participativas”: a revolta da vacina. Após uma extensa narrativa da revolta, José Murilo tenta identificar “os revoltosos” e conclui que “a composição da multidão variou de acordo com o desenrolar da revolta” (p. 124). Dentre os revoltosos encontravam-se, num primeiro momento, operários, comerciantes, estudantes, militares e pivetes. Num segundo momento destacam-se os operários de grandes empresas e as “classes perigosas”.
Identificados os revoltosos José Murilo dedica-se na busca pelos motivos da revolta. Com relação aos militares o autor levanta o pretenso assalto ao poder, consenso na historiografia. Dois outros motivos são levantados, um de ordem econômica motivado pela crise geral deixada por Campos Sales, e outro ocasionado pelas reformas urbanas no centro do Rio. Os dois motivos logo caem por terra quando o autor apresenta como explicação mais óbvia a obrigatoriedade da vacina. Afirma José Murilo “A reação à vacina servira para desencadear um protesto muito mais vasto e profundo” (p.134), pois este fundamentou-se em razões ideológicas e morais. Ideológicas para os membros da elite, para os quais os valores representavam os princípios liberais e liberdade individual, no qual um governo intervencionista não cabia. Morais para o povo, pois “os valores ameaçados pela interferência do Estado eram o respeito pela virtude da mulher e da esposa, a honra do chefe de família, a inviolabilidade do lar” (p. 136). Assim, o inimigo não era a vacina, mas sim o governo.
Por fim, no último capítulo José Murilo apresenta o que ele chama de mundo “real”, aquele que estava sob o formal. Ao mesmo tempo em que o governo tentava criar formas de convivência, o “povo” criava as suas próprias e “nessas condições as normas legais e as hierarquias sociais iam aos poucos se desmoralizando, constituindo-se um mundo alternativo de relacionamento e valores” (p.159). E quando esse mundo alternativo era ameaçado através da repressão geravam-se em resposta as revoltas. José Murilo termina o capítulo com a seguinte afirmação: “O povo sabia que o formal não era sério… a República não era para valer” (p. 160).
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Osório 11/06/2021

José Murilo de Carvalho busca retratar três pontos nesse livro: a Proclamação da República e seus desafios, a cidadania exercida pelo povo com essa "democracia"(tá mais para oligarquia pelo fato de ser quase que totalmente excludente) e a cidade do Rio de Janeiro, palco de inúmeras revoltas e conflitos, onde o povo, quando insatisfeito, não tinha nada de bestializado, reinvindicava e protestava contra o descaso governamental, a exemplo da Revolta da Vacina, onde a vacinação obrigatória foi apenas o estopim para iniciar os protestos por melhores condições de cidadania, assegurada na constituição, que de certa forma, era simbólica.
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Talvanes.Faustino 22/05/2022

Bom
Pra quem está procurando uma historiografía de fácil leitura, que mesmo sem ser um estudante do curso de História, será suave, este é um ótimo título.
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Regina Alonso 01/08/2009

História do Brasil
Para quem quer saber mais sobre História, sobre escritores da época. Análise moderna do ato da feitura da nossa república e como o povo era completamente desligado do acontecimento político
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Ocelo.Moreira 22/07/2011

Livro bem conservado e sem rasuras.
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Adilson40 15/05/2023

A República que nunca foi!
Ao reler essa obra de José Murilo de Carvalho, é inevitável não pensar o Brasil dos nossos tempos e por isso o título da resenha, " A República que nunca foi"
A República Brasileira desde a sua implantação foi sendo consolidada como uma res-privada, onde a elite dominante a utilizava como mecanismo de dominação e controle social e para o povo não restava outra alternativa, ou ser bestializado nos momentos solenes ou bilontras no cotidiano.
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Ronny 27/08/2016

Bestializados ou Bilontras?
José Murilo de Carvalho em seu livro se fundamenta em problematizar as formas de manifestações de cidadania por parte dos populares da cidade do Rio de Janeiro no período inicial da chamada “primeira república”, e entender a dicotomia entre o que os setores da elite esperavam do povo e a forma que o mesmo encontrou para exercer sua cidadania. Em que o autor trás a frase do propagandista da república, Aristides Lobo, que classificou a população como pacifica que ficou bestializada enquanto era feita a proclamação da república. Relato esse que é a inspiração do nome do livro de José Murilo.
Em suma, José Murilo de Carvalho aborda nesse período de transição para república, como o novo governo buscou se moldar nos ideais europeus e como a população pobre respondeu a esse governo que os preceitos culturais e sociais europeus não se encaixariam na população carioca. E como essa falta de compreensão do outro fez com que o governo, a elite, a mídia e povo não se entendessem, e buscassem no outro uma ação ou reação que posteriormente os frustrariam.
E o autor consegue trazer de forma fluida e simples, que os conflitos e ações tanto do estado quanto do povo carioca do inicio da república não se diferenciam como um todo da forma como a população e o estado agem perante a política, sendo o primeiro sempre uma soma de indiferença e revolta violenta e segundo a mistura de exclusão, ganância e falsa inocência.
José Carlos 02/07/2018minha estante
a obra os bestializados de José Murilo de Carvalho pode ser baixado em PDF no site CDB centro de distribuição do pensamento brasileiro www.cdpb.org.




alex 26/08/2022

Os bestializados - o RJ e a República que não foi
De José Murilo de Carvalho (1987)

Uma leitura muito boa que nos remete à cidade do RJ pós proclamação da República (1889) até por volta de 1904, com a Revolta da Vacina.

Ao tentar identificar a associação entre a jovem República, a cidade e a cidadania, o autor nos oferece uma excelente perspectiva sociológica para o que seria uma aparente passividade política do brasileiro (incluindo um excelente tratado sobre as causas da Recolta da Vacina, que desmentiram, em parte, esse certo desinteresse político).

Por ocasião da proclamação (da qual o povo não teria participado): "A mesa estava posta, por que não apareciam os convivas? Onde estavam eles?" (p. 71)

E à guisa de conclusão: "Na República que não era, a cidade não tinha cidadãos" (p. 152).
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Alipio 24/06/2020

Bestializados
"E o povo assistira a tudo Bestializados"

Famosa frase de Aristides Lobo, diante do seu desapontamento como a maneira pelo qual o novo regime foi proclamado. Sem compreender o que se passava, totalmente alheio aos fatos políticos em curso, imagindo o movinento como uma parada militar.
A Republica objetivava a entrada do povo na política, a abolição dos privilégios da coroa e um Governo eleito. Tratava-se da primeira grande mudança do regime político após a Independência em 1822.
O Rio de Janeiro, Capital da República do Brasil, teve um grande impacto devido ao crescimento populacional, as condições de vida e problemas de habitação eram caóticos tanto em quantidade quanto em qualidade. Nos meses de calor, devido à problemas de abastecimento de água, saneamento e de higiene, a situação se agravava com surto de epidemias. A cidade tornava-se insalubre.
pelo lado econômico e financeiro, as coisas também não estavam boas. Para conquistar a simpatia ao novo regime, o governo começou a emitir dinheiro sem nehum lastro, gerando uma febre especulativa e uma inflação generalizada já em 1892.
Ainda no primeiro capítulo, o autor dá umas " pinceladas" sobre os primeiros movinentos de greves, sobre os Jacobinos e a tentativa de matar o presidente da República em 1897. Perseguições, prisões e deportações dos capoeiras que eram marginalizados pelo regime.
A República das letras, também não tivera no novo regimel uma relação pacífica. Olavo Bilac, Guimarães Passos e outros, tiveram que fugir para não serem presos.
Em 1904, A lei da vacinaçào provocou na população do Rio, capital da república, a revolta da vacina. na percepção da população humilde ( instigada por movimentos contrários ao Governo), a lei ameaçava a honra do lar, pois estranhos estariam vendo e tocando os braços e coxas de suas mulheres e filhas.
porque razão a República capitalizou e remodelou cidades, mas não permitiu que se formassem cidadãos? Se o Rio de Janeiro era a séde e a cidade ideal do projeto republicano, poque razão ali mais do que em outro lugar se boicotou deliberadamente as possibilidades de consolidação da cidadania?
O fim fo Império e o iníciio da República foi um período de grande movimentação de idéias, algumas mal absorvidas ou absorvidas de modo parcial ou seletiva gerando grande confusão ideológica

Para José Murilo de Carvalho, "o Brasil sofre de Alzheimer coletivo".

Obra imprescindível para a historiografia brasileira.
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