Lucas.Sampaio 23/10/2021
Freira apaixonada
Cartas portuguesas, ou ?cartas de amor de uma religiosa portuguesa escritas ao cavaleiro de C.?, é um livro epistolar, originalmente publicado nos anos de 1669 em língua francesa com o titulo Lettres Portugaises traduites en français (tradução nossa: Cartas portuguesas, traduzido em francês), geralmente enquadrado no barroco português, a principio de autoria anônima, apenas em 1810 sua composição seria atribuída a Mariana Alcoforado.
Segundo Celestino e Lopes (2015, p.2), Mariana Alcoforado seria:
Filha de uma renomada família portuguesa, Alcoforado foi destinada à vida religiosa desde muito cedo, aos 12 anos, por decisão paterna. Entre os anos de 1667 e 1668, aos 20 anos, enquanto assistia a passagem do exército francês em sua cidade, iniciou os amores com Marquês de Chamilly. Por ser de família portuguesa poderosa e tradicional, o escândalo tomou conta da cidade e Chamilly, receoso das consequências, partiu de Portugal. Antes de sua partida, prometera retornar para desposar Alcoforado. Foi, então, na ansiedade do retorno de Chamilly, que Alcoforado produziu Cartas Portuguesas.
Posto isso, Cartas Portuguesas retrata o amor proibido entre uma freira enclausurada e um oficial francês, que a partir de então passariam a trocar epistolas. Sendo Cartas Portuguesas a reunião de cinco dessas correspondências de autoria de Mariana Alcoforado, em resposta as missivas recebidas de Chamilly.
Segundo Silva (2017, apud AGUIAR e SILVA, 1979), o narrador é autodiegético (ou seja, o personagem principal é o narrador), portanto, apresenta foco interno e restritivo, e acompanham-se tudo que passa no interior da personagem. Portanto, acompanha-se a solidão, ansiedade, amor intenso, e entrega da protagonista das cartas, Mariana.
Logo na primeira carta, é possível perceber que se trata da resposta de uma missiva previamente enviada por Chamilly, quando Alcoforado (2016, p. 19) declara que ?A tua ultima carta deixou-o num lamentoso estado!?, quando em sua prosa apaixonada, falava sobre seu coração. Ou em outro momento da primeira carta, em que Mariana (2016, p. 21) declara: ?Deixa de encher tuas cartas com coisas inúteis...?, onde se percebe que a primeira carta que lemos, é uma resposta a cartas anteriores.
Na segunda carta, porém, ela demonstra que já não recebe cartas: ?[...] há seis meses que não recebo de ti uma carta!? ALCOFORADO (2016, p. 26), porém, a sociedade a vê com maus olhos, por se tratar de um freira apaixonada por um oficial, como ela mostra: ?Enfureço-me contra mim própria quando penso em tudo quanto te sacrifiquei: perdi minha reputação, expus-me ao furor dos meus parentes, à severidade das leis deste país contra as religiosas e à tua ingratidão, que me parece à maior de todas as desgraças? ALCOFORADO (2016, p. 38), porém previamente, na primeira carta, é possível perceber que parte da sua família colabora para que a troca de correspondências seja mantida: ?Confesso, no entanto, que a oportunidade que o meu irmão me proporcionou de te escrever...? (grifo nosso) ALCOFORADO (2016, p. 21).
Nessas cinco cartas, podemos ver a entrega total de Mariana Alcoforado, mesmo com o amado tão distante de si. E a decadência desse amor (nas duas ultimas cartas, as mais longas), em que ela se despede do amante, e mostra que o amor que ela mostra por ele não é correspondido na mesma medida.
Segundo Cardoso (2014, p. 157):
Podemos considerar essa obra como representante das inquietações típicas do Barroco, conforme apontáramos. Nela, percebemos claramente os jogos de oposição que dicotomizam o ser nesse período: corpo / alma; amor carnal / amor espiritual; mundanismo / espiritualismo; amor erótico / amor divinal.
Ou seja, essas cartas representam o barroco português com maestria, mostrando esse amor desesperado, visceral, onde a narradora levaria até as ultimas conseqüências se não fosse à indiferença do seu amante.
Desde sua primeira carta, que representa o amor incondicional de Mariana, misturado a desconfiança que Chamilly possuía outras amantes na França, passando por sua segunda carta, onde Mariana se lamenta do seu amor, e demonstra êxtase em estar apaixonada. Sua terceira carta, em que a Sóror mostra estar dilacerada, a ponto da violência, com a intensidade de amar. Nas ultimas cartas, Mariana mostra revolta com ao enamorado, chegando a acusá-lo de ser um homem sem honestidade: ? [...] O seu procedimento não é de um homem honesto. É preciso que experimentasse por mim uma autêntica aversão natural para não me ter amado perdidamente? (ALCOFORADO, 2016, p. 68).
A obra de Mariana demonstra uma beleza incomum, uma leitura intensa, renovadora, demonstra todos os paradigmas do amor, desde a paixão intensa, até a decepção e o momento da separação e a necessidade do esquecimento. Essa obra se destaca por sua linguagem poética, cheia de momentos sublimes, uma escrita que perpassa o tempo e consegue tocar os atuais leitores.
Referências
CELESTINO, Ricardo; LOPES, André da Costa. O AMOR DE MARIANA ALCOFORADO: A NOÇÃO DE CONCEPTO E A CATEGORIA DE GÊNEROS DE DISCURSO EM CARTAS PORTUGUESAS. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2017.
SILVA, Marcelo Medeiros da. O EXERCÍCIO DA DOR DE AMAR EM CARTAS PORTUGUESAS DE MARIANA ALCOFORADO. Disponível em: < http://books.scielo.org/id/8n8gb/pdf/medeiros-9788578792794-09.pdf> Acesso em: 25/11/2017.
CARDOSO, Cícero Emerson do Nascimento. RESENHA CRITICA DA OBRA ?CARTAS PORTUGUESAS?, DE SOROR MARIANA ALCOFORADO. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2017.
ALCOFORADO, Mariana. CARTAS PORTUGUESAS. Porto Alegre: L&PM, 2016.