nicolasramos 10/06/2021
Apesar de já acumular quase vinte anos de idade nas costas, eu ainda sou fascinado pelo universo do entretenimento infanto-juvenil. Consumo animações aos montes e sempre gosto de alternar leituras mais maduras com obras que possuem baixíssimas classificações indicativas. Não é por pura nostalgia, aliás, odeio esse sentimento. E, por mais que eu tente, não consigo explicar minha motivação. Consigo relatar que, com o decorrer da pandemia, o meu consumo de materiais mais "caricatos" aumentou. Assim como também me tornei bem mais consciente no âmbito político-social, meu consumo de temáticas reais, que muito dizem a respeito do mundo em que vivemos tornou-se padrão.
Certo dia, configurado em um desses meus polos de estado de espírito. Eu me deparei com esse livro na página inicial do Skoob e a capa logo me chamou atenção. Quem diz para não julgar um livro pela capa se decepcionará muito ao me conhecer, porque isso é o que eu mais faço. Sou extremamente visual. Inclusive, faço esse tipo de análise com álbuns também, posso me deparar com uma obra-prima, se a capa não me agradar, muitos pontos são perdidos no meu conceito. O foco é, dei uma rápida lida na sinopse, a qual, não vou mentir, a primeira vista, achei bastante genérica. Porém, a capa havia me comprado. Era o que bastava. No dia seguinte, comecei a leitura.
"A Ilha do Guardião da Tempestade" é um livro que demora para dar passos significativos. É como preparar um chá. Há aquele momento de infusão das ervas que ninguém gosta. Eu só quero tomar a droga do meu chá! Mas não posso, porque preciso esperar a água absorver todos os ingredientes antes de saborear. É um momento monótono de espera, mas, se você preferir tomar antes do momento, o gosto não será o mesmo, muito menos os benefícios promovidos pela hortelã. Ou camomila. Erva doce. Mulungu. Que seja. Com esse livro a experiência é parecida, o início é de espera. A autora faz questão de te familiarizar com todo o ambiente. Criar uma atmosfera sólida e aconchegante para que o leitor possa desfrutar com acuidade toda a proposta do enredo. Aqui, o cenário é mais importante do que os próprios personagens. Uma porção de palavras compõem um retalho acolhedor durante o decorrer da obra.
Vela.
Chá.
Mar.
Promontório.
Família.
Magia.
Memória.
Arranmore.
Achei interessante a forma como Catherine resolveu colocar todos os personagens em segundo plano e, em primeiro, deixar apenas o nosso protagonista Fionn e sua mais nova aliada, a Ilha. É um processo intimista. Uma conexão empolgante que presenciamos do início ao fim. Ao passo que ela se desenvolve, a autora vai adicionando pessoas no caminho do garoto, o que, sem dúvidas, enriquece a trama e a coloca em postos extrovertidos em alguns momentos, proporcionando uma harmonia importante. Tem-se um antagonista irritante que nos ajuda a criar empatia por Fionn. Seu avô assume o papel de alimentador do mistério, nos proporcionando mais perguntas do que respostas. Tudo parece estar no seu devido lugar, com uma fluidez excepcional.
O uso das velas como forma de engarrafar lembranças provavelmente é o ponto mais original da trama. Catherine Doyle faz um ótimo trabalho ao desenvolver com cautela essa questão e lidar muito bem com a complexidade que a questão do tempo pode admitir. Ela conseguiu simplificar ao máximo para que os pequenos pudessem assimilar, sem proporcionar furos ou redundâncias na história. Outro ponto bastante original, é o fato da autora ter se inspirado na ilha a qual nasceu. Arranmore existe de verdade, ela cresceu lá, na companhia do seu avô, e baseou grande parte do livro nas diversas lendas que envolvem a cultura local. Isso, com toda certeza, foi responsável por atribuir uma bagagem extremamente necessária para a trama, tornando-a ainda mais sensível.
Nos últimos capítulos, o leitor se depara com um ótimo plot twist, o que lhe faz criar expectativas grandiosas para a sequência dessa trilogia. Já a maior conquista de Catherine Doyle, foi conseguir polir a simplicidade ao ponto de imortalizar uma trama que viverá para sempre, acumulando um poder majestoso de divertir o público infanto-juvenil e, ao mesmo tempo, conquistar o coração de pessoas como eu, que ainda buscam pela inocência nesse tipo de entretenimento, seja para acalmar a mente ou relembrar as lições mais básicas possíveis sobre a vida.