daniel_ 07/10/2021
Paradoxos e mais paradoxos
Em seu Magnum opus, Ortodoxia, Chesterton explica, não sobre se é possível crer na fé cristã, mas sobre como ele veio a crer nela. O livro é uma resposta aos críticos de “Hereges”, outro livro do escritor, por ele detonar os pensamentos modernos daquela época sem apresentar “nenhuma filosofia alternativa”. É sobre esse pano de fundo que Chesterton explica porque a teologia cristã é a melhor raiz de energia e da ética sadia.
É importante explicar que o termo “ortodoxia” dá o nome do livro não por se basear na Igreja Católica Ortodoxa, comum no oriente, mas porque o autor tenta mostrar que nos últimos dois milênios, a Igreja Católica não se permitiu ser influenciar por crenças modais que poderiam desvirtuar a fé cristã, sendo então ortodoxa.
Chesterton critica as filosofias modernas por defenderem algo e que, ao mesmo tempo, estão sempre vazias daquilo que elas mesmas defendem (defendem a compaixão, mas estão vazias de compaixão, a verdade da verdade, etc.). Uma delas é a filosofia da Vontade, em que homens movidos apenas pela “vontade”, procurando liberdade, estão vazios justamente de vontade. “Vontade” não tem nada a ver com liberdade, pois ter vontade é escolher um caminho, caminho esse que rejeita outros caminhos. Essa filosofia, na verdade, exalta um ato de seleção, de exclusão. Acaba sendo, portanto, um ato de autolimitação. Em outro ponto, critica a relativização de alguns termos, como o doente e o criminoso. O mal é uma questão de escolha ativa, enquanto a doença, não. Um homem pode ficar deitado e quieto para ser curado de uma enfermidade. Mas se um pecador quiser ser curado de um pecado, deve se levantar e se mover violentamente. “Paciente” está no modo passivo. “Pecador” no modo ativo.
Para isso, Chesterton descarta o evolucionismo e o progresso, dando preferência às reformas. Toda reforma moral deve começar com uma vontade ativa, e não passiva. A reforma é uma metáfora para homens razoáveis e determinados. Significa que vemos determinada coisa fora de forma e queremos colocá-la em forma. E sabemos qual forma. O progressismo tem esse problema de não saber aonde exatamente quer ir. Contrapondo o pensamento revolucionário, o mundo ideal do que nós queremos deve ser fixo, ou seja, os parâmetros e as visões daquilo que seria ideal não pode ser mudado o tempo todo, com novas visões diferentes a cada século, alternando o ideal o tempo todo. É assim que o progresso deve ser direcionado. O ideal deve ser permanente, e o cristianismo possui esse ideal fixo e sabe aonde quer chegar, pois é sua visão do Céu, e não da Terra, a permanente. O ideal fixo serve tanto para o progressista quanto para o conservador, tanto para mudar quanto para conservar. Um ideal fixo também deve ter leis irrevogáveis, que gerem obrigações. Chesterton usa o matrimônio como um exemplo no cristianismo. Além disso, toda utopia necessita vigilância, e isso serve tanto para progressista quanto para conservadores, pois, de acordo com o autor, as coisas tendem a piorar naturalmente, e não melhoram ou ficarem como estão, se entregues a si mesmas. O cristianismo tem suas formas de vigilância, como a disciplina e a fidelidade como forma de manter a vida adia (Lucas 21:36).
Ao longo do livro, Chesterton deixa claro que o cristianismo é a “filosofia alternativa” que os críticos estavam esperando do escritor, e ela já existe há cerca de dois milênios. Chesterton apresenta diversos paradoxos estranhos, mas verdadeiros, que o cristianismo possui como o do mártir e suicida, e rebate diversas acusações que fazem da Igreja a partir desses paradoxos. As energias que precisamos para renovar o Ocidente se encontram na velha teologia, não em novas teologias da moda que invadiram esta parte do mundo.
Mesmo que as religiões tenham similaridade em alguns pontos, elas não ensinam a mesma coisa de formas diferentes. Na verdade, é o contrário. O cristianismo e o budismo são muito parecidos em alguns pontos, mas se analisados profundamente, possuem filosofias distintas, o cristianismo focando na humanidade como ponto principal da ideia divina, e o budismo tratando a personalidade como a queda do homem.
No final, Chesterton diz que que foi graças à ortodoxia que conheceu a emancipação mental. O cristianismo é algo que nunca conhecemos em nenhum sentido pleno e não apenas é melhor do que nós, mas até nos é mais natural do que nós mesmos.
O livro também é recheado de frases impactantes. Algumas delas são:
“É impossível, sem humildade, desfrutar qualquer coisa que seja — mesmo do orgulho.” (Pg. 36)
“Um homem deveria duvidar de si mesmo, mas manter-se sem duvida quanto à verdade (exatamente isso foi invertido). Hoje em dia, a parte do homem que o homem defende é exatamente a parte que ele não deveria defender: ele mesmo” (Pg. 36)
“Tradição pode ser definida como uma extensão da cidadania. Tradição significa dar voto à mais obscura de todas as classes: nossos ancestrais. É a democracia dos mortos” (Pg. 57)
“Lembre-se, no entanto, de que ser frágil não é o mesmo que ser perecível. Bata em um copo, e ele não durará um instante; simplesmente não bata nele, e ele durará mil anos” (Pg. 68)
“O progresso deveria significar que estamos sempre caminhando em direção à Nova Jerusalém, mas significa que de fato que a Nova Jerusalém está sempre se afastando de nós. Não estamos alterando o real para se adequar ao ideal. Estamos alterando o ideal: é mais fácil” (Pg. 133)
“Todo conservadorismo é baseado na ideia de que, se você deixar as coisas entregues a si mesmas, você as deixa como estão. Mas você não faz isso. Se deixa uma coisa entregue a si mesma, você a deixa sujeita a uma torrente de mudanças” (Pg. 144)
“As pessoas têm o costume de se queixar da agitação e da energia de nossa época. Mas, na verdade, a principal marca de nossa época são preguiça e fadiga profundas, e o fato é que a verdadeira preguiça é a causa da aparente agitação” (Pg. 157)