camila del rio 01/03/2023
Território Lovecraft
Confesso que fiquei um pouco cética quanto ao livro inicialmente. Território Lovecraft se passa nos Estados Unidos da década de 1950, um período de fortíssima segregação racial, e os protagonistas são majoritariamente negros ? ainda assim, o autor do livro é branco. Mas decidi dar uma chance, já que a adaptação da série foi produzida pelo Jordan Peele, meu diretor favorito.
O livro me deixou positivamente surpresa e é possivelmente uma das melhores leituras que já fiz. Separado em contos que funcionam mais como capítulos, cada segmento da obra foca em um grupo diferente de personagens, sempre amarrando todas as pontas soltas e conectando os eventos de maneira fluida e lógica. Aqueles que não estiverem muito atentos à história podem perder algumas referências e, mesmo que ?Território Lovecraft? seja organizado em contos, nenhum deles pode ser lido separadamente (a não ser pelo primeiro).
Os personagens são o ponto mais positivo do livro. Achei todos extremamente complexos e muito bem construídos, de modo que cada uma de suas decisões (corretas ou não) é compreensível porque faz total sentido para aquele determinado personagem. A figura de Caleb Braithwhite (o único personagem recorrente branco e que, na série, tornou-se Christina Braithwhite) é maravilhosamente bem feita: todas as suas boas ações são questionáveis e, ainda assim, é impossível ter uma opinião conclusiva sobre ele até o final do livro.
Àqueles que preferem ver a série a ler o livro terão uma noção totalmente diferente da história, já que as mudanças (principalmente nos personagens) são gritantes. Não estou muito inclinada a assistir a série justamente por causa disso ? além do fato de ela ter sido cancelada ? mas posso dar uma chance em algum momento.
Num geral, Território Lovecraft merece muito mais atenção do que tem atualmente. É um livro surpreendente graças à sua originalidade, complexidade e à dedicação do autor na realização de referências à década de 1950 e na representação da vivência de pessoas de cor na época do movimento de segregação racial nos EUA. Algumas situações presentes no livro ainda são presentes na sociedade atual e, por isso, a obra serve para mostrar como o mundo ainda não se livrou do racismo e existe um longo caminho a ser percorrido até a igualdade entre todos.
Uma coisa que me interessou bastante foi o nome do livro. Passei muito tempo tentando tirar minha própria conclusão a respeito da mensagem que Matt Ruff queria passar e concluí que, como o terror sobrenatural não é direcionado aos protagonistas dentro das histórias, o que foi mostrado é que a segregação e o racismo são muito mais aterrorizantes do que qualquer criatura bestial com tentáculos. Da mesma forma que o próprio H.P. Lovecraft, cujo medo do desconhecido permeava tanto seus preconceitos como suas obras, Território Lovecraft é capaz de mostrar ao leitor como é ser uma vítima diária de monstros que pouco se importam com as demais vidas humanas ? exceto que, aqui, as verdadeiras feras são as pessoas brancas. Achei uma jogada genial.