Danilo 27/04/2023
Convergência etária
Numa entrevista com Bial, Carla Madeira diz que ao escrever seu novo romance, a autora aposta numa polifonia de múltiplas idades, o que me leva a imaginar a complexidade de se envolver inúmeras experiências no momento de criação das personagens. Experiências. Essa é base de criação. Em A Máquina de Fazer Espanhóis, VHM inicia dedicando o livro ao seu pai que não chegou a viver a terceira idade. Foi assombroso perceber e sentir os medos, os desprendimentos dos antigos e apego ao novo cotidiano, as dores das perdas e as lutas, principalmente as auto-lutas.
Silva parece uma criança ao contrário, que mesmo depois de ter vivido algumas experiências de perda, se vê virgem do saber viver depois da partida de Laura. Para Silva, Laura era a sua vida e nem seus filhos lhe trariam sua vontade de acordar. Enviado a um abrigo para idosos, acompanhamos os primeiros últimos passos desse senhor de 82 anos que não tem vexame em expor tudo que sente, pelo menos não para o leitor.
Em um conjunto fluente de todos os anseios da velhice, foi interessantíssimo perceber o perceber. Depois dos anos, o tentar ir com mais calma faz com que se consiga ter atenção ao tempo, ao que ele faz conosco, por dentro e por fora. É como se ao longo da vida todas as esferas pragmáticas (social, cultural, política, familiar, econômica) estivessem sempre por ali e aos poucos dar-se conta e tenta-se alinhar tudo na tentativa de ter uma vida mais equilibrada e feliz por assim dizer. No fim, a sensação que fica, é que essas esferas vão nos empurrando, mesmo sem que percebamos, muitas vezes nos fazendo agir no automático e sem a menor consciência das consequências das nossas ações, convergindo tudo no fim da vida, nessa última linha onde nenhuma dessas esferas parecem fazer sentido e, fracos que somos, buscamos alento nas lembranças de prováveis gestos que tenham causado algum bem em alguém em algum lugar.
Belo, sensível, duro, político, vivo, apesar dos clichês e frases de efeito.