DIRCE 18/03/2013
De qualidade indiscutível, porém, mais politico
Fui previamente prevenida de que não iria gostar tanto do livro " A Máquina de Fazer Espanhóis”, como gostei de “O Filho de Mil Homens” (ambos do escritor Valter Hugo Mãe). De fato, embora reconheça ser "A Máquina de Fazer Espanhóis" superior em qualidade literária que "O Filho de Mil Homens”, minha preferência recai sobre o ultimo. O porquê da minha preferência? Porque, apesar de ambos os livros falarem sobre o amor, sobre carências humanas, sobre o abandono, sobre a solidão, achei o amor retratado no "O Filho de Mil Homens" mais agregador, mais abrangente, mais descompromissado.
O amor que transparece pela voz do narrador – o sr. Silva, um senhor de 84 anos, que por forças das circunstâncias, após perder a esposa , a quem ele dedicava um imenso amor, se vê obrigado a residir em uma casa para idosos - Lar da Feliz Idade ( hein?)- é mais individualista, limitado ao núcleo familiar.
E foi esse senhor Silva , que ao ser tomado pela indignação por julgar que fora abandonado pelos seus filhos num “depósito” de idosos desesperançosos, começa a refletir sobre sua existência e sobre sua conduta frente o regime de Salazar – 1926 a 1974 - ( pedi ajuda aos universitários para entender um pouco mais sobre esse período), um Regime que se sustentava no tripé Estado, Família e Religião, quem me mostrou a similaridade na conduta dos povos quando se veem tomados pelo medo. Claro que me refiro ao povo português, e a nós brasileiros, pois, assim como os portugueses canalizaram suas emoções e interesses nos seus ídolos -no jogador Euzébio, na cantora Amália Rodrigues, nós, brasileiros, quando vivíamos sob o julgo da Ditadura, tivemos nossos momentos de sentimentos nacionalistas, como por ocasião da Copa de 70, das vitórias na Fórmula 1 de Emerson Fittipaldi, e nosso maior orgulho era poder dizer que o Pelé, assim como Deus, eram brasileiros, sentimentos que nos mantinham alheios ao assustador momento politico e social, que assolava nossos país.
Mas se por um lado, estufávamos o peito orgulhosos do nosso Pelé, os portugueses tinham, nada mais do menos, que o Fernando Pessoa. E é do poema Tabacaria desse genial poeta, que o genial escritor VHM, retira um companheiro para viver seus últimos anos de vida ao lado do sr. Silva : o Sr. Esteves sem metafísica. E é esse personagem fictício que vai retirar o Sr. Silva da letargia na qual ele se encontrava. A convivência com o Sr. Esteves e com outros idosos residentes no lar, permite ao também fictício ( ou não) Sr. Silva conhecer o amor fraterno e o valor a amizade.
Complementando as impressões e opinião com as quais iniciei este meu comentário, devo dizer, que “A Máquina de Fazer Espanhóis” é uma obra-prima, e daria para discursar muito sobre ele, é um livro que não pode receber menos do que 5 estrelas, e que só não foi para os meus favoritos devido ao impacto que o livro “O Filho de Mil Homens” exerceu sobre mim. “O Filho de Mil Homens” é , na minha opinião, um livro com poder transformador – um daqueles livros que, se alguém me perguntasse como você é?, antes de responder, perguntaria a mim mesma: antes ou depois da leitura de o “O Filho de Mil Homens”. Já, “ A Máquina Fazer Espanhóis”, apesar da sua indiscutível qualidade, achei que é um livro mais político.
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(...)quem não daria uma fortuna para estar num verso de fernando pessoa. pus-me dali para fora e achei que o esteves sem metafísica, com seus quase cem anos, era a melhor nossa senhora de fátima do lar. isso aliviou-me um não sei quê de sentimento que poderia me derrotar naquela tarde. (pag. 53)
não creio que algum dia tenha sido suficientemente amigo de alguém. fui sempre um homem de família, para a família, e o meu raio de acção
esgotava-se essencialmente na minha mulher, nos meus filhos, e nos
meus pais enquanto foram vivos. mas os que não tinham o meu sangue
estariam sempre desclassificados no concurso tão rigoroso dos meus
sentimentos(...) - (pag. 171)