Toni 29/09/2020
Que livro!!
Sem sombra de dúvidas A máquina de fazer espanhóis é um livro grandioso sob todos os aspectos, no conteúdo e forma. Imagine uma obra que consegue abordar todas as nuances da vida e por isso, claro, mexe com todos os nossos brios, fazendo-nos pensar, refletir, rir e chorar, às vezes concomitantemente. Já no primeiro capítulo somos convidado a nos emociobar com o nosso personagem central, o senhor Antônio Silva que aos 84 anos perde sua esposa ( Laura), a qual ele amava apaixonadamente, fato que o deixa terrivelmente abalado, sem chão. Sua família opta por interna-lo em um asilo chamado " Feliz Idade" ( irônico, não?), supostamente pensando ser o melhor pra ele, o que o deixa imensamente revoltado, sobretudo porque, além do luto, precisa se adaptar àquela nova e triste realidade, onde ele terá que conviver com outros iguais, idosos. Nessa nova casa ele experimenta um turbilhão de sentimentos, como abandono, raiva , solidão, medo, impotência, sentimentos esses com os quais ele nunca foi tão afinado, porém fugir não é uma alternativa. É a partir desse contexto que Valter Hugo Mãe dá vida a uma prosa poética brilhante .
O livro revela o nosso encontro com o envelhecimento e, por isso, muito de nossas fragilidades são reveladas, ora pelas lembranças de certas ações, atitudes ou mesmo posturas diante da vida e das quais nos arrependemos ou remoemos, ora pela perda daquelas lembranças tão necessárias, mas que de alguma forma foram já embotadas pelo tempo, aqui simbolizada no livro muitas vezes pelos pássaros escuros presente nos sonhos ou delírios dos utentes.
A opção de dar uma roupagem estética do uso predominantemente de letras minúsculas, as vírgulas e os pontos, ao invés de limitar a dinâmica da leitura, só enriqueceu a obra trazendo um leque de possibilidades de interpretação. O que ajuda também, por outro lado, o leitor desatento a embarcar de cabeça no enredo, pois se não for assim, certamente corre o risco de perder o fio da meada.
Quis propositadamente me demorar nessa leitura, pois é um daqueles livro que fundamentalmente nos instiga à transformação. Impossível ler uma obra como essa e sair incólume.
Mãe traça lenta e cuidadosamente todas as teias da obra, como o pintor debruçado em sua tela, que pode parecer distraído na escolha das cores, porém é sabido que pra se chegar a um resultado surpreendente tudo é minuciosamente pensado e combinado. Assim é Vitor Hugo Mãe.
Sobre o porquê do título do livro, deixarei que cada um que tenha despertado pra essa questão, descubra por si só, lendo