Paulo Sousa 01/03/2021
Leitura 04/2021 - #lista1001?
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Os mares do sul [1979]
Orig. Los mares del sur
Manuel Vázquez Montalbán (Espanha, 1939-2003)
Cia das Letras, 1998, 247p.
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?Esse autor era ele mesmo. Incapaz de inventar sua própria linguagem, ele mesmo havia se convertido em linguagem. Vivia o romance que não podia escrever ou o filme que não podia dirigir. Era necessária muita capacidade de desprezo para aguentar noites e noites essa solidão anônima, uma solidão de amnésico. Como um homem pode falsificar seu papel só para si mesmo, sem a possibilidade comunicar-se?? (Pág 148/149).
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?Existem coisas que são contra a natureza. Tentar fugir da própria idade, da própria condição social leva à tragédia? (Pág 236).
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E pensar que eu havia lido um livro do escritor catalão Manuel Vázquez Montalbán no já distante setembro de 2018, me surpreendo que após me deleitar por aquelas páginas em espanhol de ?Tatuaje?, que li com assombro, eu havia me prometido ler outras cousas desse mestre do romance policial! Paciência.
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Desta vez, acabo o excelente ?Os mares do sul?, um romance policial interessantíssimo que mistura a Barcelona pós-Franco, as cores do cinema noir hollywoodiano e as várias e divertidas manias de Pepe Carvalho (rio cá comigo imaginando-o queimando livros noite após noite para acender sua lareira, quase um crime!), o detetive que Montalbán tão bem desenhou para nós leitores e que faz parte da imensa lista de 1001 livros essenciais para ler antes de morrer, um projeto que vou transpondo pouco a pouco enquanto não me falte vista ou paciência.
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Nesta novela, Carvalho é incumbido de investigar um crime envolvendo um figurão da indústria da construção civil, encontrado morto a facadas num galpão abandonado num bairro decrépito barcelonês. Suspeitos não há, somente um trecho enigmático de um poema de Salvatore Quasímodo. É claro, sabemos todos que temos alguma bagagem de leituras, que, em sua maioria, nos livros policiais o crime será desvendado, o culpado será ou não alcançado pela justiça, haverá ou não vingança e o herói tenha um galardão a mais em seu currículo.
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Mas Pepe é um fenômeno. Um paladar que se esmera em fruir os bons repastos que lhe servem. Um garanhão a cuja cama nunca vazia mostra sua nunca satisfeita necessidade de esquecer das mazelas, das sujeiras que a sociedade para a qual é contratado, nunca findam. Um iconoclasta da boa literatura, acostumado a torrar seus livros vez após vez na lareira da solitária casa de Vallvidrera. Carvalho tem um estilo que chama atenção, em nada me faz lembrar do Guido Brunetti de Donna Leon (não exatamente um detetive, mas um policial veneziano) e nem o Cormoran Strike de Galbraith, o grandalhão perneta inglês que mantém seu amor fiel à sua assistente.
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Antes, Carvalho tem uma caída para o sarcasmo, insights singulares e iluminados sob um véu de um humor negro e incrédulo. É um personagem fascinante, bem escrito, inserido num momento político frágil que todos sabemos, deixou profundas marcas no povo catalão. O próprio Montalbán, enquanto jornalista, foi ávido participante do processo de reconstrução política, então, era natural que conhecesse a fundo os mecanismos sociais, as cores da cidade por onde trilha seu Carvalho, enfunado profundamente no desgosto e asco que lhe dá tudo aquilo. Enquanto terminava o livro, me chega pelo correio outro caso Carvalho, desta vez o ?Quinteto de Buenos Aires?, mais um da longa série Pepe Carvalho. Tomara que o livro me escolha logo!