O Espelho Enterrado

O Espelho Enterrado Carlos Fuentes




Resenhas - O Espelho Enterrado


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Gabriel Rocha 04/12/2022

Defronte ao que se é
A frágil denominação latinoamericana (e caribenha) parte da interpelação, reincidente e frágil, de sua própria origem. O que somos é produto do que fomos e, nesse aspecto, a dizimação, a mescla e o desencontro são o palco de uma disputa eterna entre o sonho e a realidade. A metáfora do espelho, usada por Carlos Fuentes, no contraste, expõe exatamente essa sobreposição: “¿no es el espejo tanto un reflejo de la realidad como un proyecto de la imaginación?” , ele pergunta. Isto é, projeta-se uma homogeneidade construída por uma fatalidade comum, a desgraça; e junto dela, a herança cultural, que é indígena, negra, americana, e tem a Espanha como um “lugar-comum”.
Não sem dor, o parto de uma realidade sociopolítica faz, paulatina ou ferozmente, desaparecer aquela a que substitui. Fuentes assim descreve, introduzindo, a própria Espanha como um palco de transformações.
Mas se a vida nasce do sacrifício, a América Latina é o lugar mais fértil do Planeta. Ao encontro de sociedades robustas, prósperas e bem estabelecidas, o forte reino espanhol sagra sua conquista a sangue.
Por outro lado, a "contra-conquista" é a expoente que verdadeiramente faz a vida ser definida nesse novo lugar, no espaço da mescla. As intenções de absoluto domínio sociocultural sobre os dominados seguiram a tendência que a mesma Espanha conhecera em sua constituição múltipla: o fracasso. Acontece, na verdade, o surgimento de algo novo, misto, que substitui a cultura ali assentada. A contra-conquista é a persistência dos valores, hábitos, modos de uma vida atravessada pela navalha, de uma sociedade dizimada. A nova sociedade americana é uma sociedade ainda mais complexa e múltipla do que a Espanha, multirracial e policultural, sincrética.
Na variação da verdade, o espelho é difuso: o que será o povo latinoamericano? Talvez o entremeio, na procura de um passado que não lhe pertence - porque lhe foi arrancado - e no anseio de um futuro que é só utopia, não se pode concretizar dentro dos modelos econômicos e institucionais que as Américas puderam aprender e desenvolver. Se é fato que Carlos Fuentes deposita um facho vertiginoso de lirismo em sua obra, o que parece abonar a culpa histórica dos espanhóis, em outro sentido, é a conurbação entre a mística e a realidade quem proporciona a atmosfera adequada para um livro que trata da composição de um lugar tão misterioso.
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