Marcio 15/07/2010
Lia esse livro e só pensava: "ninguém me avisou que existia esse autor!". Só mesmo no Brasil um autor como Jeronymo Monteiro, o sujeito que popularizou a Ficção Científica no Brasil, fica assim esquecido por todos, só vindo a ser despertado por aficionados pelo gênero e loucos como eu.
A Cidade Perdida começa levantando seu argumento científico, segundo qual, levando-se em conta fatores geológicos, o Brasil seria berço da mais antiga das civilizações já existentes. Começa então a segunda parte, que seria a busca por vestígios dessa civilização, protagonizada pelo narrador da história, Jeremias, mais alguns companheiros: o guia Quincas e o idealizador da viagem, Sávio. Tal busca é o ponto alto do livro. A ação corre solta.
E o autor tem um jeito meio diferente de narrar as situações, o que deixa o texto cômico. Ele, por exemplo, usa e abusa de uma linguagem hiperbólica. Como li em pdf, deu pra separar uns trechos:
"Olhamos o vale para onde deveríamos descer. E tivemos diante de nós o espetáculo mais angustioso que olhos humanos já puderam contemplar."
"Recomeçamos a caminhada para o fundo do vale sombrio, à pálida luz da lua. Éramos duas sombras, duas almas penadas cambaleantes, descendo para o inferno!"
"A claridade aumentara, e a algazarra dos pássaros era infernal. Bandos de araras, de periquitos e papagaios passavam berrando como possessos."
"Nesse momento desabou o aguaceiro. A chuva começou a cair em torrentes, com ruído ensurdecedor. A terra estava ameaçada de submersão! Decerto, ia haver outro dilúvio."
"Penso que a porta se ajustara por pressão e não havia força humana capaz de arrancá-la. Só à consumação dos séculos, no último dia de vida do globo, ela sairia talvez do seu lugar, sacudida pelos estremeções de agonia da terra!"
Essas frases exageradas lembram muito aquelas narrações daqueles programas do tipo “Vídeos Incríveis”, onde o locutor faz um drama danado em relação ao vídeo que está sendo exibido.
O livro chega então ao momento em que são encontrados os Atlantes. Aí que a coisa desanda e a história perde em ação e em originalidade. Havia muito mais a ser explorado, muitas possibilidade nesse encontro com essa civilização perdida, mas ele se resume aos Atlantes discorrendo sobre a situação no planeta e fazendo uma condenação meio clichê da humanidade. O narrador acha tudo aquilo uma asneira (com toda a razão!) e procura fugir, junto com seu companheiro de viagem. Penso que Jeronymo Monteiro poderia ter escrito uma obra prima no gênero se tivesse caprichado mais nessa parte.
Outra curiosidade, que também deixa o livro engraçado, é a maneira como o narrador se refere aos índios que encontra no caminho. Numa época (1948) em que não existiam ainda ONG’s, entidades e lobbies indígenas, era mais possível se expressar com liberdade a respeito desse tema, sem a preocupação de ser perseguido por essa turma. O resultado é impagável. Melhor trecho (meio longo, mas vale a pena):
"Enquanto Quincas tecia estas ponderações, os tapirapés faziam grande algazarra, empurravam-nos para que andássemos mais depressa. Não compreendiam que nós não sabíamos andar pela selva como eles o faziam. Todas as nossas bagagens iam nos ombros de meia dúzia deles, mas acredito que com a intenção de ficar com eles e não para nos livrar do peso. De repente, um deles deu com o tacape no ombro de Salvio. Salvio gritou e cambaleou. Eu saltei sobre o selvagem e acertei-lhe um murro num dos olhos com uma presteza de que não me julgava capaz. Sangrando, o índio que caíra sentado levantou-se e pulou para mim. Esquivei-me e ele bateu com a cabeça num tronco de árvore com tanta infelicidade que pareceu ter perdido os sentidos. No mesmo instante, Quincas pulava sobre mim.
- Você está louco, Jeremias! Está louco! Eles nos matarão!
- Deixe-me, Quincas! Esses imundos selvagens...
- Cale-se!
Salvio interveio:
- Quincas tem razão, Jeremias. Fique quieto. Eles não sentem as coisas como nós as sentimos... Precisamos não os atacar, não dar sinal de raiva...
- E deixar que eles nos amassem com os tacapes? Ora, Salvio!
Seja como for, os selvagens encararam a coisa de maneira diferente daquela que Quincas esperava. Tangeram-nos novamente para diante, e um deles ficou ao lado do companheiro ferido. Estou absolutamente convencido de que se tornaram mais delicados daí por diante. Penso que o único modo de ensinar cortesia aos selvagens é abrir-lhes as cabeças."