Potterish 30/11/2012
A crônica da separação
//Por Sheila Vieira - 15 de novembro de 2010
Ilusões e decepções amorosas são situações que todos passam na vida e ainda mais emocionais quando envolvem um casamento mal-sucedido. Além dos percalços para fazer um relacionamento dar certo e admitir que ele chegou ao fim, é possível ter uma conversa honesta com o ex-amado(a) três meses após a separação?
São os dilemas que o cineasta e escritor Arnaldo Jabor trata em “Eu sei que vou te amar”, um trabalho cinematográfico adaptado à literatura lançado em 2007. Leia a resenha de Débora Rezende e não esqueça de deixar o seu comentário.
“Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor
Durante a década de 70, em pleno auge da ditadura militar, um tipo de literatura incomum começou a ser produzido no Brasil. Eram textos mimeografados e distribuídos de forma independente em bares e universidades espalhados pelas cidades brasileiras. Eram textos esteticamente estranhos, por vezes tachados de “sujos”, “pornográficos” e “não-literários”. Era a chamada Poesia Marginal, que, em 1976, ganhava uma compilação em livro: “26 Poetas Hoje”, organizado por Heloísa Buarque de Hollanda.
Esqueça as visões tradicionais sobre poesia: métrica, rima, linguagem difícil, temas grandiosos – nada disso cabe aqui. Heloísa Buarque de Hollanda compila em sua obra a poesia de 26 poetas que tinham em em comum a necessidade de desconstrução. Entre os poetas marginais, a beleza poética se transforma em choque, desbunde e descompromisso. Era um tapa na sociedade brasileira em plenos anos setenta, auge da repressão ditatorial. Levando a contracultura a extremos, a poesia marginal foi alvo de críticas e diversas polêmicas: numa época em que misturar cultura pop – tida como inferior – à literatura – a chamada Alta Cultura – era pecado mortal, os poetas marginais dialogaram incansavelmente com o Pop e o Tropicalismo. A destituição da poesia de seu degrau de Arte Nobre não agradou aos intelectuais. Nem mesmo a Academia Brasileira de Letras conseguiu enxergar relevância naquela estranha obra.
Versos como “(será mesmo com dois esses/ que se escreve paçarinho)”, de Cacaso, mostram o descompromisso desses poetas com a linguagem. Sempre irônico e ácido, boa parte dos autores não poupam críticas à Ditadura Militar, como em “Ficou moderno o Brasil/ ficou moderno o milagre:/ a água não vira vinho/ vira direto vinagre” ou “Em que berço dorme o/ som do mar e a luz/ ao céu profundo?/ No berço cego”.
“Faz tanto calor no Rio de Janeiro/ que é bom sentir essa neve/ partir de seu olhar”; “Um dia todos os peixes/ puseram a cabeça para fora da lagoa/ e me olharam”; “Ninguém me ama/ ninguém me quer/ ninguém me chama de Baudelaire”. Versos como esses não raro causam o desconforto típico da Literatura Marginal, surge então o questionamento: Isso é poesia? O que afinal é poesia? Nenhuma resposta nos é dada. A resposta, aliás, não é almejada pelos marginais: eles implementam a dúvida, o questionamento. E isso basta. A dúvida do que seria poesia é intensificada a partir do momento em que alguns poemas nem ao menos nos são apresentados em verso, como é o caso de boa parte da obra produzida por Ana Cristina César.
Questionadora e subversiva, a obra organizada por Heloísa Buarque é mais que um válido e rico registro da resistência contra a ditadura e os bons costumes; é uma leitura agradável e de fácil entendimento. O humor constantemente presente na obra além dos temas libidinosos e o uso constante de palavrões dão um sabor especial ao livro. É uma vingança da poesia contra o formalismo e a nobreza que lhe eram atribuídos.
Resenhado por Thiago Terenzi
272 páginas, Editora Aeroplano, 2007.
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