Dhiego Morais 12/09/2020Terror a bordoSentado em sua poltrona insignificantemente inclinada para trás, o passageiro encara sua primeira experiência de voo em um avião comercial. Pressionando fortemente o encosto para os braços, um ruído é emitido, um resmungo em declínio à água ofertada pela aeromoça. Em alguns minutos toda aquela carcaça de metal se erguerá e tomará os céus, arremetendo-se sobre sabe-se-lá-o-quê pode haver acima das nuvens. Respirando ruidosamente, olha pela janela numa tentativa fracassada de parecer menos nervoso do que aparenta. Precisa ficar tranquilo, afinal, o que poderia dar errado numa viagem tão comum?
Terror a Bordo, trata-se do mais recente livro organizado por Stephen King e seu amigo, Bev Vincent a chegar no Brasil pela editora Suma, selo da Companhia de Letras. Contendo 17 histórias selecionadas pela dupla, o livro de pouco mais de 200 páginas promete proporcionar aos leitores amantes de histórias de terror e suspense todo o sortilégio de calafrios e medos relacionados às alturas.
Antes que os leitores se enganem, faz-se importante explicar que a maioria das histórias presentes na antologia não foi escrita especificamente para compô-la (com exceção dos contos de Joe Hill e do próprio Stephen King). Em Terror a Bordo, encontraremos contos desenvolvidos por Arthur Conan Doyle, Ambrose Bierce e David J. Schow (O Massacre da Serra Elétrica), por exemplo.
Parte dos contos transita por uma série de gêneros, da ficção científica à fantasia, do terror ao suspense, fato que não permite que a própria antologia crie uma identidade mais firme e clara ao público. Não obstante, o próprio terror do título (que no original na verdade é Flight or Fright) não fica muito bem a bordo. Isso ocorre devido a parte das histórias não girarem em torno do medo de voar ou dos perigos relacionados ao objeto: o avião.
Por outro lado, o padrão de histórias curtas permite ao livro, como um todo, adquirir caráter essencialmente fluido; as páginas se desenrolam com facilidade, tornando a experiência de leitura agradável, distrativa, mas não memorável.
Como estamos falando sobre um livro de contos, abaixo vou compartilhar quatro das histórias que mais me agradaram durante a leitura.
“A Carga”, de E. Michael Lewis: nessa história que abre a antologia, o leitor se verá prestes a embarcar em um Lockheed C-141ª Starlifter, saindo de Jonestown, no Panamá, para retorno aos Estados Unidos da América, em Dover, Delaware. Estamos em novembro de 1978 e a missão vem com o pretexto de ser uma evacuação médica em massa de expatriados. Misteriosamente, mais de mil pessoas, entre adultos e crianças tomaram veneno, um tipo de suicídio em massa provavelmente envolvendo algum culto. O avião leva como carga dezenas de caixões, além do sargento responsável pela missão, um garoto e uma enfermeira. Os problemas a bordo começam quando sons vindos de onde os caixões estão chegam até eles. O que poderia ser?
“Pesadelo a vinte mil pés”, de Richard Matheson: talvez a melhor história da antologia organizada por King e Vincent, aqui nós subimos a bordo de um DC-7, junto de nosso amedrontado protagonista, Arthur Jeffrey Wilson. Cruzando o céu, Arthur em breve ficará com os nervos à flor da pele, afinal, junto à asa e à turbina da aeronave uma estranha criatura parece destruir a fuselagem. Chamar a atenção dos demais passageiros ou da comissária o transformará em um louco e não fazer nada poderá derrubar o avião!
Transitando deliciosamente entre o horror e o terror, o conto de Matheson, originalmente lançado em 1961, quando fumar e portar armas em um avião era normal, entrega uma das melhores experiências de leitura envolvendo o medo de voar e o medo do próprio objeto voador.
“Lúcifer!”, de E. C. Tubb: escrito por um dos mais prolíficos autores de ficção científica da Grã-Bretanha, este conto, premiado na Eurocon de 1972, trata com maestria de um dos maiores problemas de se viajar de avião: após embarcar e estar no ar, você precisa ficar até o final. Imagine que você descubra em plena viagem que o seu avião está fadado a um desastre aéreo e tudo o que você possui em mãos é um dispositivo capaz de voltar 57 segundos no tempo. Como impedir que o pior venha a acontecer?
“O Especialista em turbulência”, de Stephen King: embora nem todos concordem, na minha humilde opinião o conto foi bastante interessante. Como o próprio título já remete, nessa história acompanharemos um protagonista cujo trabalho é lidar com as piores turbulências durante o voo. Trabalhando para uma organização misteriosa que seleciona em quais voos ele deverá embarcar, sua responsabilidade é sempre a mesma: assegurar que a aeronave não sofra um desastre. Um dos pontos mais interessantes no conto é uma provável ligação com a história de O Instituto, o mais recente romance lançado pelo autor, em 2019.
“Vocês estão liberados”, de Joe Hill: no conto de um dos autores mais proeminentes do gênero, o leitor se verá em pleno voo, quando inesperadamente se inicia o conflito bélico entre Estados Unidos e Coréia do Norte. Misseis e aviões cruzam os céus, tornando o céu o pior lugar para os passageiros de um voo comercial. Com uma crítica política evidente, esse é mais um dos contos dignos de nota na antologia.
Terror a Bordo encerra como um livro agradável para se ler após uma leitura mais desgastante. Ainda que não seja a melhor das antologias, a experiência de leitura é válida, principalmente por apresentar aos fãs do gênero outros autores que dificilmente teríamos contato de outra maneira.
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