jota 17/05/2013Humanos, marcadamente humanosLogo na abertura de A Marca Humana, Philip Roth transcreve um trecho de Édipo Rei, de Sófocles: "ÉDIPO: Qual o rito da purificação? De que modo há de ser feito? "CREONTE: Pelo desterro, ou pela expiação do sangue pelo sangue..." Tragédia à vista? Sim, mas não apenas isso e não apenas uma.
E quando de fato as palavras começam a rolar, lembramos levemente de outro ótimo livro, Desonra, de J. M. Coetzee. Aqui também há um professor, mas judeu, que tem de deixar sua cátedra universitária não acusado de assédio sexual feito o professor sul-africano de Coetzee, mas sob a acusação de racismo contra dois estudantes negros, que apesar de matriculados em sua disciplina não compareciam às aulas. Acusação que vai se revelar, bem mais à frente, uma injustiça. Mas, acima de tudo, uma tremenda ironia.
Bem, num fim de tarde de um sábado de verão do final dos anos 1990, depois de o rádio começar a tocar os acordes iniciais de “Bewitched, bothered and bewildered”, na interpretação de Frank Sinatra, Coleman Silk (setenta e um anos, que recentemente demitira-se de sua cátedra de Letras Clássicas por preconceito racial) convida para dançar seu amigo Nathan Zuckerman (sessenta e poucos anos, escritor e narrador de A Marca Humana). Eles estariam tendo um caso?
E seria por isso - ou por outra coisa - que um dia Coleman recebe uma carta anônima, mas que sabemos que foi enviada por sua colega universitária, a professora francesa Delphine Roux, que diz que “sabe de tudo”? Alguém teria descoberto o segredo que Coleman vai revelando aos poucos, apenas para algumas pessoas que cruzam seu caminho? Isso acontece somente na segunda parte do livro (são cinco partes) e resenha alguma pode contar acerca de sua opção de vida sob pena de tirar um pouco o impacto dessa revelação.
A história de A Marca Humana se passa na década de 1990 e nela há fartas referências à política americana, mais exatamente ao presidente Bill Clinton e seu affaire com a estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky. Tudo mais ou menos nessa época em que se começou a usar enfaticamente a expressão “politicamente correto”. Mas o ambiente universitário americano também recebe grande destaque de Roth.
Além de Coleman Silk, Nathan Zuckerman e Delphine Roux, A Marca Humana traz marcantes personagens como Faunia Farley, faxineira analfabeta que nutre paixão por corvos, o ex-marido dela, Lester Farley, ex-combatente no Vietnã e para quem toda pessoa de olhos puxados é um inimigo em potencial e Ernestine Silk, também professora e irmã de Coleman. E outros interessantes personagens secundários.
A história de cada um deles está aqui, todos inapelavelmente marcados, não por um sinal, mas pela marca humana em si: por onde passamos, como diz Roth através de uma personagem, “(...) nós deixamos uma marca, uma trilha, um vestígio. Impureza, crueldade, maus-tratos, erros, excrementos, esperma — não tem jeito de não deixar. Não é uma questão de desobediência. Não tem nada a ver com graça nem salvação nem redenção. Está em todo mundo. Por dentro. Inerente. Definidora.”
E depois de muitas histórias embasadas em política, sexualidade, questões éticas e étnicas, depois de mais de quatrocentas páginas lidas, vem o aguardado final. Não que ele seja surpreendente, mas é diferente: parecia que o livro ia acabar de um jeito, mas acaba de outro. Um final que não deixa dúvidas sobre a genialidade de Philip Roth ao nos contar suas histórias brilhantes. A Marca Humana é um livro brilhante. Muito diferente deste despretensioso resumo, na verdade, uma louvação a Roth.
Lido entre 08 e 16/05/2013.