Claire Scorzi 02/04/2021
...E Marlowe se Despede de Nós...
O último romance que Chandler conseguiu terminar antes de morrer e publicado em 1958, um ano antes de sua morte, traz as marcas já conhecidas do policial noir - gênero que Dashiell Hammett praticamente inaugurou nos anos de 1920 e que Chandler aperfeiçoou e deu seu charme próprio, nos anos de 1930, quando começou a escrever seus contos e publicou seu primeiro romance. Mas "Para Sempre ou Nunca Mais" também apresenta algumas mudanças, não no gênero em si, mas naquele detetive criado por Chandler que se tornou símbolo do noir: Philip Marlowe. Ele está aqui. Mas os críticos tem certa razão, Marlowe já não parece o mesmo das aventuras anteriores.
Uma explicação possível tem relação com a vida de seu autor. Chandler ficara viúvo e sentiu profundamente a morte da mulher. Uma de suas tristezas era nunca ter escrito um romance tão bom que pudesse ter dedicado a ela - e, quando a esposa morreu, isso tornou-se impossível.
Uma outra pode estar na feitura do livro. Consta que Chandler não o escreveu com o mesmo empenho, e a dedicatória a duas amigas na abertura do volume parece indicar que foi só pelo estímulo das duas é que a obra foi terminada.
Marlowe parece triste. Marlowe mostra-se mais aberto a relacionamentos sem consequências. Contudo, paradoxalmente,também é aqui, neste último romance completado, que o anseio por amor - amor romântico, amor que perdure, que envolva um futuro juntos - se revela mais premente. Impossível não lembrar, de novo, que Chandler perdera a esposa e se sentia sozinho.
Ainda assim, aqui e ali, nosso detetive que sempre narra na primeira pessoa lança suas metáforas invulgares, frequentemente engraçadas, às vezes irônicas, por vezes com toques de humor negro. Não, Marlowe está um pouco diferente, mas ainda está aqui. Ainda é ele, o homem durão, sentimental, generoso e possuidor de um código de honra que nunca vacila. Por evasivas, com frases ferinas ou inegavelmente gentis, ele ainda é o exemplar acabado do detetive do noir que iria inspirar tantos detetives e até figuras da lei no gênero (lembremos Harry Bosch, de Michael Connelly).
A trama é clássica assim como as figuras: a ingênua desamparada, a mulher fatal (como sempre, Chandler embrulha as duas e equilibra-as na ambiguidade), a violência, a intriga labiríntica. Raymond Chandler em seu habitat. Um pouco mais triste, um pouco mais melancólico; e - inesperadamente - esperançoso.
"O ar estava repleto de música".