marshmelle 11/09/2023
Ensinamentos
Na vida, pensamos e refletimos tantas coisas que, por vezes, por falta de palavras que possam assertivamente expressar da forma que queremos, ficam apenas na nossa mente e no nosso imaginário. neste livro, porém, foi como se eu tivesse encontrado verbalizadas todas essas minhas reflexões existenciais que nunca foram partilhadas com alguém. por um lado, houve conforto - existem pessoas e especialistas que ponderam a existência do nosso ser e os motivos que nos levam a viver de um determinado jeito igual a mim. por outro lado, há um certo incômodo - será que toda a singularidade que eu atribuía aos meus pensamentos na realidade são coletivos? o que há de especial em mim, afinal de contas? nunca terei a genialidade de formular uma ideia única?
para as minhas perguntas anteriores, a resposta que tenho: acho que talvez nunca. e não há problema nisso. como diria contardo, talvez ?o que mais nos faz sofrer seja justamente a relevância excessiva que atribuímos à nossa presença no mundo?. sim, há um quê de depressivo em ler-se essa afirmação. mas, será que não deveríamos olhar para ela de outra forma, como de uma eterna libertação? por reconhecermos que nossa existência não é a única coisa que falta para que o mundo seja perfeito talvez possamos viver a vida de forma mais leve. explorar o que sentimos, sem se importar tanto com a opinião de terceiros, correr atrás do que queremos sem colocarmos em nós mesmos rédeas que nos impeçam de sermos livres e saborear o viver da vida. afinal, só se vive ela uma única vez.
outro ponto interessantíssimo abordado por contardo é como nós temos a tendência de buscamos no futuro o sentido do nosso presente. quantas vezes já pensamos que ?só seremos felizes? ou ?só poderemos descansar? ou ?só poderemos curtir? quando determinado ato futuro fosse concretizado, preterindo o prazer de viver o presente? nós passamos a ser definidos pelas nossas potencialidades, e o futuro, que poderia ser esperançoso, acaba projetando uma sombra escura no nosso presente. mas não é só o futuro que molda o nosso viver - o passado também. há algo de reconfortante em analisar os eventos passados e tentar achar neles o porquê de sermos como somos e estarmos onde estamos agora. como diria o autor: ?reinterpretar o passado, descobrir (ou in-ventar) novos sentidos para o que aconteceu é quase sempre uma maneira de mudar nosso presente?. será então a infância o período chave da nossa vida? não que os eventos da nossa infância sejam mais marcantes que os nossos atuais ou futuros, contudo, ?se os eventos de hoje tomam relevância e sentido a partir dos de nosso passado?, não seria, portanto, na nossa infância?
mas então toda a nossa personalidade é unicamente moldada por fatores externos, ambientes familiares, e tantas outras coisas as quais não temos controle algum? também não. muitas vezes, o que comanda nossas emoções e nossas atitudes é a nossa singularidade, segundo contardo, ?uma singularidade feita de valores, obrigações, censuras, repressões e desejos?, que até podem ser os mesmos que o de outros, mas que são incorporados e ressignificados diferentemente por cada um.
?cartas a um jovem terapeuta? aborda todos esses assuntos e tantos outros mais sem propor respostas fechadas ou definitivas, convidando o leitor a navegar nas infinitas dúvidas e possibilidades. ler contardo calligaris foi beber em uma fonte de conhecimento e ainda estar com sede de mais. me fez realmente considerar a psiquiatria como a área certa para mim. trabalhar com a psiquiatria é interessar-se pela diversidade de vidas, tão iguais e tão distintas da minha, e apresentar uma certa ingenuidade e carinho instantâneo por cada paciente, para efetivamente ouvi-lo sem nenhum julgamento preconcebido e tornar o processo de cura muito melhor. igual como deve-se fazer com um livro. afinal, como diria contardo, estabelecendo uma analogia fantástica com a leitura, ?a paixão pela literatura é, geralmente, sinal do mesmo carinho e da mesma aceitação diante da variedade de vidas. detalhe: o amor pela literatura pode ser, indiferentemente, amor pelos autores de cordel ou pelos clássicos, mas é sempre amor por muitos livros?.