A história maravilhosa de Peter Schlemihl

A história maravilhosa de Peter Schlemihl Adelbert von Chamisso




Resenhas - A História Maravilhosa de Peter Schlemihl


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Mônica 16/09/2020

"Otto Maria Carpeaux destaca a importância de definir, sem nenhum preciosismo, a Literatura Alemã como sendo a Literatura de Língua Alemã. No caso germânico, questões geográficas, históricas e políticas de uma região permanentemente agitada fermentaram uma literatura heterogênea e fragmentada, gerando uma singularidade não apenas na produção literária em si, mas também na sua classificação. A língua funciona, portanto, como um guia pelo emaranhado de expressões e variações de uma literatura que as disputas não conseguiram suprimir e as fronteiras não puderam abarcar.

Quatro décadas após a tardia unificação da Alemanha, o escritor Thomas Mann já percebia o preponderante e distorcido papel que a raça passara a ter em seus país e como isso respingava na cultura da qual o próprio Mann foi elemento essencial. Ao escrever o prefácio de A Maravilhosa História de Peter Schlemihl, uma notória novela alemã que fizera parte de seus anos escolares, destaca-se sua fala nostálgica sobre a obra e seu autor. O olhar orgulhoso, que enxerga méritos menos óbvios e vê a narrativa como mais do que um peculiar conto de fadas, transparece o incômodo do escritor com seus contemporâneos. Mann acreditava que a "superstição" com sangue e raça inibia histórias como a do próprio autor de Peter Schlemihl: Adelbert von Chamisso era, na verdade, um refugiado de terras inimigas.

Nascido Louis Charles Adélaïde de Chamissot, em 1781, vindo de uma família aristocrática da região de Champagne, emigra com seus familiares aos nove anos, em decorrência da Revolução Francesa. Depois de passar por atribulações em territórios belgas, holandeses e prussianos, se estabelece em Berlim em 1796, tornando-se tenente quatro anos depois. Nessa época, começa a se aventurar nos versos em francês e em alemão, encontra afinidades com outras jovens mentes e inicia-se timidamente no movimento romântico, o qual reverbera os ideais da revolução que o tornara expatriado. De 1804 a 1806, colabora com o "Almanaque das Musas", sua primeira publicação. As guerras napoleônicas, das quais participa pelo lado prussiano, interrompem seus estudos e sua produção artística. Depois da derrota na campanha de Weser, é feito prisioneiro de guerra; volta à Berlim órfão, desiludido e desorientado.

Depois de alguns anos de inatividade, retorna à França e acaba se juntando ao círculo da intelectual Madame de Staël, partindo com o grupo para a Suíça. Nesse período, começa seus estudos com Ciências Naturais, os quais retoma ao voltar para Berlim em 1812. No ano seguinte, como forma de se distrair e agradar os filhos de seu amigo Julius Eduard Hitzig, começa a escrever A Maravilhosa História de Peter Schlemihl, que narra os acontecimentos da vida de um homem que vende sua sombra ao diabo. Conta-se que uma série de episódios com o escritor Friedrich de la Motte-Fouqué contribuiu para o esboço de sua narrativa: a troça por Chamisso ser distraído a ponto de perder tudo menos a sombra; a leitura de uma fábula de Lafontaine sobre um homem que retirava do bolso tudo que pediam; e um passeio no qual a sombra do pequenino Motte-Fouqué se equiparava à do alongado Chamisso. Dessa sequência de acontecimentos despretensiosos, começa a surgir a novela sobre Schlemihl, conforme apontado por Mann.

[...]

A novela é introduzida por um poema de Chamisso e três cartas (entre ele, Hitzig e Motte-Fouqué) que tentam dar um ar de veracidade aos acontecimentos fantásticos que se seguem. A história a qual eles se referem é contada em primeira pessoa pelo próprio Schlemihl, que se endereça a Chamisso; este, por sua vez, a recebe das mãos de um estranho homem "com uma longa barba grisalha, vestindo uma Kurtka negra", a mesma icônica vestimenta do protagonista.

A jornada de Peter Schlemihl começa com sua chegada no porto de Hamburgo. Ansioso e com uma carta de recomendação, ele vai ao encontro de Thomas John, um esbanjador novo rico, que pega a carta e o convida para a festa em seu jardim. Muito alheio e focado em si, Schlemihl vai direcionando sua atenção a uma figura peculiar, "um homem de meia idade, calado, magro, ressequido e alto" que começa a tirar do próprio bolso estranhos e improváveis pedidos dos demais convidados. A medida que eles vão ficando mais absurdos (luneta, tapete, barraca, três cavalos!), intensifica-se o espanto de Schlemihl, que passa a ficar inquieto por ser o único a ver os acontecimentos como extraordinários; irritado e confuso, decide se retirar. Já confabulando sobre a próxima tentativa de se aproximar de John, Schlemihl percebe-se sendo seguido. Tímido e muito educado, o estranho homem que passara o dia atendendo aos desejos mais inimagináveis queria pedir um pra si.

"Durante o pouco tempo em que tive a felicidade de ficar ao seu lado, eu pude, meu senhor — permita-me dizê-lo — pude contemplar algumas vezes, com uma admiração realmente indescritível, a belíssima sombra que o senhor, com um certo ar de nobre desprezo e de pouco caso, projeta ao sol — esta magnífica sombra aí a seus pés. Perdoe-me a pretensão realmente ousada: Será que o senhor não estaria talvez inclinado a ceder-me sua sombra?" (p. 22)

Em meio a inúmeras alternativas fantásticas referentes ao imaginário popular alemão, é oferecida a Schlemihl a bolsa de Fortunato — personagem do século XV, em destaque pelo romance de cavalaria O Anel Mágico, de Motte-Fouqué. A bolsa da fortuna, fonte inesgotável de dinheiro, tira de Schlemihl qualquer hesitação possível, e o que parecia ser um ótimo negócio se concretiza.

Não demora muito, porém, para que Schlemihl — e o leitor — perceba que a ausência da sombra traz para si reações intensas e inusitadas. De uma maneira ou de outra, sua falta não causa apenas estranheza, mas sim desprezo e repulsa inexplicáveis. Schlemihl torna-se marginalizado e, encastelado em sua infinita fortuna, percebe que ela não é suficiente para comprar a aceitação. Questionado, ridicularizado e alvo de pena, descobre do pior jeito que existe um valor na aparentemente dispensável sombra que acabara de trocar. Se o desafio do protagonista é encontrar, ao lado do seu ajudante Bendel, uma forma de emulá-la, o do leitor é entender o que a sombra pode representar.

Em meio a inúmeras interpretações, a sombra na narrativa de Peter Schlemihl está frequentemente associada ao próprio Chamisso e à sua história de vida. Como muitos, Carpeaux - ele próprio um refugiado - creditava à novela uma representação de um homem sem pátria. A interpretação de Thomas Mann, por outro lado, mostra-se mais completa ao buscar uma visão menos superficial. As palavras do próprio Chamisso mostra aos leitores uma interpretação mais aprofundada. No prefácio da edição francesa, como forma de responder sarcasticamente aos muitos que perguntavam o significado da sombra, o autor cita sua definição física como sendo a projeção de um corpo opaco em um sólido quando sobre ele incide um corpo luminoso, e acrescenta

"É deste sólido que se trata na história maravilhosa de Pierre Schlémhl. A ciência das finanças instrui-nos suficientemente sobre a importância do dinheiro; a da sombra é menos reconhecida no geral. Meu imprudente amigo cobiçou o dinheiro, cujo valor ele conhecia, e não pensou no sólido. A lição - que pagou caro - ele quer que nós a aproveitemos e sua experiência nos conclama: pensai no sólido!" Adelbert von Chamisso

O poeta pede atenção ao sólido; não à luz ou ao próprio objeto, mas a como e onde ele se projeta. Mais do que unicamente a pátria, acredito que a sombra torna-se símbolo de vínculo — dos vários vínculos dos quais Chamisso carecia. Expatriado e andarilho quando criança, nobre sem terra ou status, órfão em busca de estabilidade, poeta entre duas línguas, soldado inimigo e estrangeiro em seu próprio país, Chamisso passou a juventude sem ter condições e tempo necessários para firmar suas raízes e reforçar sua identidade através de laços familiares, classe social, ofício, língua ou nação. Em concordância com seu próprio personagem, faltava a Chamisso pertencimento.
[...]"

Resenha completa em https://medium.com/micromegas/a-maravilhosa-hist%C3%B3ria-de-peter-schlemihl-de-adelbert-von-chamisso-f49fb15959c8
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rogerbeier 05/08/2009

Apesar de ter sido leitura obrigatório de um curso de História Contemporânea da Faculdade, me diverti bastante com a história desse livro. Recomendo a leitura mesmo para jovens que ainda não possam perceber as características marcantes do romantismo alemão no livro. Mesmo que leiam apenas para a diversão, o livro vale muito à pena.
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Heidi Gisele Borges 11/01/2018

Peter Schlemihl troca sua sombra por um bolsa que dá dinheiro infinito. Ele não tem paz, apesar de acreditar que teria tudo com a bolsa, acontece que todo percebem que ele não tem sombra e por isso se afastam. Ele é um homem indigno, dizem.

Em busca do homem de cinza que comprou seu bem, ele acaba por fugir e se instala num pequeno lugar onde o adoram, pois o confundem com um nobre, mas ele faz de tudo para aparecer apenas à noite.

Semelhança com Fausto, de Goethe, não é mera coincidência, há citações do livro nessa história.

O posfácio é de Thomas Mann. Tradução e notas de Marcus Vinicius Mazzari.

Uma leitura deliciosa!
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Henrique Fendrich 01/05/2019

A tradição de ter uma sombra
Eu conhecia a história de Peter Schlemihl, "O homem que vendeu a sua sombra", de Adelbert von Chamisso, de forma indireta, por meio de citações do ETA Hoffmann e do Hans Christian Andersen. Mas agora eu pude ler essa história, uma novela mais saborosa do que aquilo que ela inspirou.

Não se trata de mero conto de fadas ou uma literatura fantástica descompromissada. Claro, narra-se coisas que só existem no mundo da imaginação (como é que alguém fica sem sombra?), mas é claramente uma alegoria para algo maior.

Pela minha interpretação, a "sombra" representa uma tradição, um costume qualquer que é essencial para a vida em sociedade. Não ter a sombra, não cumprir com os ritos esperados, é sofrer preconceito e ser colocado à margem.

Esses preconceitos podem ser tão fortes que nem mesmo o dinheiro, que geralmente abre tantas portas, pode ser capaz de fazer uma sociedade tolerar a "ausência de uma sombra".

A busca por dinheiro e por sucesso pode ser frustrada se, para isso, você não mantiver as aparências da sociedade. As pessoas irão se voltar contra você, apesar do seu dinheiro.

Não ter uma sombra irá afastá-lo da sociedade, mas é justamente esse afastamento que lhe permitirá viver melhor e mais próximo da sua verdade. Não ter uma sombra lhe mostrará sua individualidade. E então você não precisará mais se preocupar com as exigências da sociedade.

Além de tudo, poderá ir muito mais longe do local em que ficaria restrito se mantivesse a sua sombra.
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Thiago 10/06/2015

Mais um ponto de vista de uma lenda universal
O livro aborda um tema que muito foi abordado na literatura universal, dentre os autores que abordaram o tema se encontram: Malory, Goethe, Paul Vlalery, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Thomas Mann, que é a venda da alma para o Diabo, só que aqui nesse livro, trata da troca da sombra do Peter Schlemihl por uma bolsa mágica que torna o personagem muito rico, mas mesmo sendo caridoso, gentil e muito rico, as pessoas o temem, e se afastam quando percebem que ele não possui uma sombra, desesperado com a situação acaba se isolando, após um ano o Diabo volta e lhe faz uma nova proposta....E eu vou parar por aqui na resenha para não estragar a leitura de quem futuramente for ler a obra, que apesar de ser um texto clássico do começo do XIX é escrito de uma forma muito fluente e agradável, dando para ler a obra em um único dia.
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Alexandra 28/03/2024

Novela fantástica que traz muitas referências interessantes para dialogar com outras leituras que façam referência a Fausto. Recomendo a leitura.
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