Hector 16/01/2023
Livro chinelão
Vai, vamos jogar limpo. Sejamos sinceros, tá difícil viver. Pensa nos teus amigos antigos, nos mais atuais, na tua família... ninguém tá efusivo. A gente quando sorri fica até meio constrangido. Essa semana periga sair no jornal: "especialistas declaram extinta a espécie do brasileiro feliz". Nem vem de papo good vibes porque tá um mostrando os dentes pro outro. Rosnando pra sombra. A galera aí diz "pokas ideia". Desse jeito mesmo. Panelona de pressão.
A gente tá no pique do moribundo de um dos contos desse livro. O maluco tá no hospital, atordoado, talvez se recuperando de uma cirurgia que ele nem lembra direito, ainda grogue de anestesia, angustiado. Não consegue discernir um rosto. O tique-taque do relógio do hospital é irritante. O cheiro do quarto é desagradável. A voz do médico é nasal e autoritária. Um vizinho de cama mais arrebentado do que o outro. Péssimo, péssimo. O sujeito olha pro lado e vê que os chinelos dele não estão ali. Não tem força pra pedir que tragam, esqueceu até a palavra "chinelos". Ele quer os chinelos porque, se eles estivessem ao lado da cama, pelo menos se sentiria mais próximo da realidade e as pessoas que o cercavam não seriam tão espectrais e absurdas.
O cara não se aguenta vivo, mas seus chinelos ao lado da cama tornariam a vida algo suportável. Sei lá, parece que vivemos mais ou menos isso.
Quais são seus chinelos? Cuide deles, porque o trivial já rendeu muita literatura e já salvou muito personagem.
Livro chinelão. Chinelão de ficar do lado da cama.