O dia de um escrutinador

O dia de um escrutinador Italo Calvino




Resenhas - O dia de um escrutinador


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Arsenio Meira 14/08/2014

Cottolengo é aqui

É prosa: conto de maior fôlego ou novela diminuta (no tamanho). No entanto, tanto faz, pois o talento nato de Italo Calvino pulveriza a sensação de frustração que, eventualmente, poderá perturbar o leitor insatisfeito com apenas 96 páginas. Através do texto de Calvino, questões sobre democracia, política, esquerda, são mobilizadas, levando o leitor a confrontá-las com a idealização do Estado democrático. Por meio do processo eleitoral vivido pelo protagonista Amerigo Ormea, percebe-se a simetria das questões que fazem da eleição um aparato político e regulatório no interior de um Estado central e burocrático, onde as micro relações são tecidas pelas racionalidades administrativas e hierárquicas, engessadoras, viciadas, surreais e estéreis.

Em uma Itália massacrada graças a vinte anos sob o jugo do "regime" fascista, a democracia aparece como incontestável vitória. Nesse contexto, nosso militante de esquerda (quase um alter ego do escritor italiano, que pertenceu aos quadros do Partido Comunista Italiano, e que na juventude foi de armas em punho, à luta contra o fascismo) apresenta-se dilacerado, pois mesmo com as obscuras perspectivas das eleições, com as urnas montadas dentro de um hospício (aqui como referência do que é surreal e picaresco), fora proibida a realização de comícios, e consequentemente neca de pendurar cartazes, nem vender jornais; convém somar a tais "atributos" um processo eleitoral restrito a padres e freiras, que votam em nome de centenas de desafortunados. Mesmo diante deste cenário, Amerigo se dispõe a acreditar na realização do processo democrático... A utopia custa caro. Muito caro.

Sabia Calvino que os elementos que se articulam em eleições são perigosos. Aqui, neste pequeno grande livro, Calvino ditou a presença da dor e da desorientação de um homem que vê a democracia como um sistema que se realiza em consonância com a humilhação, exceção e desumanização. No interior do Cottolengo, as distinções políticas tradicionais que trabalham na chave de oposição entre direita e esquerda, liberalismo e totalitarismo, privado e público, perdem sua determinação, sua essência. Não existem, em suma. Apenas a desmedida sede do Poder, cujo exercício caberá aos que forem mais ladinos. Uma ficção com a cara do Brasil.
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Laine Balbino 27/06/2020

O não lugar dos excluídos
O conto nos mostra o dia de Amerigo Ormea - "ex burguês", homem morno, da esquerda - que é selecionado pelo partido comunista para ser escrutinador nas eleições de julho de 1953, em Cottolengo de Turim, local que lhe desperta profundas indagações sobre política, religião, filosofia e amor.

Cotollengo é uma instituição de caridade real e na época em que a história se passa era vista como um enorme hospício, um lugar para aqueles que a Itália fazia questão de fingir que não existiam - "prejudicados, deficientes, aos deformados, e daí para baixo" -, pelo menos até precisarem dos votos deles para "garantir" a democracia. Lá a votação era feita por mentes que não sabiam o que aquilo significava, mas que cumpriam "a insólita prestação pública que lhes fora exigida" (já viu algo parecido por aí? Tipo em 2018?).

Descrevendo o lugar e as características físicas das personagens de forma extremamente desconfortável (tudo muito desproporcional, grotesco), Amerigo nos mostra como alguns votantes sentiam-se orgulhosos por finalmente serem reconhecidos como cidadãos, enxergando assim suas próprias existências perante uma sociedade que os escondia com repulsa (ignoravam o fato de que aquele dia de visibilidade existia somente devido à necessidade dos partidos de angariar votos).

Há muito o que refletir e falar sobre esse pequeno livro (ele é todo um arquétipo do processo democrático), mas são tantos detalhes que eu precisaria de muitas linhas... então apenas deixo minha indicação para essa jornada de um homem meia bomba, que se inicia com um dia chuvoso e termina em um pôr do sol avermelhado e triste.

Obs.: escrutinador é o responsável por acompanhar a validação dos votos nas sessões eleitorais.
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skuser02844 28/05/2023

Meio chato, vou mentir não
Neste pequenino livro, de longe o menos interessante dentre os que li do autor, vemos um dia de eleição pelos olhos de um mesário que também é um militante comunista.
Amerigo é um cara meio insosso e hipócrita que fica responsável por acompanhar as eleições no Cotollengo, uma instituição de caridade que realmente existe, mas na época em que o livro se passa (ali pelos anos de 1950/60) era considerado um hospício, cheio de gente esquecida e rejeitada pela sociedade, seja por alguma deficiência ou simplesmente diferença. Amerigo vai narrando a procissão de desafortunados até a urna, alguns que nem sabiam o que estavam fazendo, mas muitos outros exultantes por, pelo menos neste momento, não terem sido esquecidos.
Em meio a questionamentos sobre o processo eleitoral, as reais intenções dos governantes e partidos e suas próprias convicções o livro vai melhorando, longe de ser uma obra prima, mas que faz ver a hipocrisia de todos nós.
Por ser um livro extremamente curto não há muito mais o que falar, não é nem por medo de dar spoiler, já que meio que não acontece nada no livro, além desses questionamentos da personagem principal, não é um livro que eu indicaria como porta de entrada para a obra do autor, mas depois que você já se encantou com ele vale a pena ir para ele, sem muitas expectativas.

site: https://hiattos.blogspot.com/2023/04/opiniao-o-dia-de-um-escrutinador-italo.html
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Hannah Monise 20/03/2024

Um dia com um mesário
O Dia de um Escrutinador é um livro interessante, eu diria! Um livro que conta o dia de um mesário, talvez. Escrutinador é aquele que assiste ao escrutínio verificando a relação de votantes e contando o número de votos.

A gente acompanha Amerigo, que supervisiona o processo de votação em um hospício em Turim. E seus pensamentos sobre cada uma daquelas pessoas que vão votar, algumas sem nem entender o que estão fazendo.

O foco é bem claro, contar o dia do personagem. Mesmo que ele seja político, por exemplo, é falado também de suas coisas pessoais, como seu relacionamento. E acho que isso deixa o livro menos enfadonho. Por isso, a leitura foi muito agradável, não voltando-se apenas para a política como o foco.
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Ilana_ 07/05/2009

Um dia
Os livros que cabem em um dia estranham um pouco meu paladar. Calvino narra "um" dia e nao "o dia" de um mesàrio. O excesso de detalhes do que è simples, corriqueiro e empoeirado tem sua beleza, a beleza do que està por perto, bem perto. Nessas horas as "cruzinhas" marcadas nas cèlulas pelos eleitores sao imagens corriqueiras e familiares, assim como a ironia acida das perguntas de Calvino sobre o sentido das eleicoes e seus rituais.
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