Fabi_Colaco 20/12/2023
LOLITA
Vladimir Nabokov
Eu já sabia que seria uma leitura difícil e por isso levei tanto tempo para decidir fazer essa tarefa de casa de quem gosta de leituras clássicas, porém o mais chocante foi descobrir que esse livro precisaria ter sido bem mais fácil para se encaixar no que eu classificava como difícil!
Foi um longo ano sofrendo e brigando com cada uma das 350 páginas desse livro. Por outro lado, foi admirável conhecer a escrita do autor, Vladimir Nabokov, é algo que eu nunca tinha visto (lido, no caso), ele escolhe com maestria cada palavra da narrativa. E não se engane achando que é apenas para embelezar ou facilitar a leitura desse tema repulsivo, nem de longe ele tem essa intenção... toda as palavras convidam o leitor a se questionar a todo momento da relação entre a razão e a emoção, ele me fez desconfiar do narrador a cada página, minha sensação era que se eu vacilasse em algum ponto, algum detalhe, seria facilmente enganada pelo narrador, que no caso é o abusador dessa história. Nabokov conta essa história em primeira pessoa, inevitavelmente nos tornando mais próximos das experiências emocionais do protagonista.
O narrador, Humbert Humbert, decidiu escrever um livro, na prisão onde ele aguardava julgamento, para que o júri entendesse melhor seu lado da história, por isso ele conversa com o júri durante todo a trama. Ele inicia sua história descrevendo sua infância na Europa, sua carreira como professor e seu trágico amor infantil por Annabel Leigh, cuja morte o traumatizou. Humbert se torna atraído obsessivamente por ?ninfetas?, garotas muito jovens que na cabeça doente dele, possuem um misterioso poder de sedução.
Depois de passar períodos em algumas instituições psiquiátricas e ter alguns trabalhos incomuns como escritor, Humbert chega até a cidade de Ramsdale, na Nova Inglaterra, nos Estados Unidos. Ele aluga um quarto na casa da viúva Charlotte Haze porque sua bela e jovem filha, Dolores ou Lolita (apelido usado somente por Humbert), lembra a ele Annabel.
Humbert estava num momento difícil, perdido na vida e dentro de si mesmo. Ele estava procurando por qualquer sentido. Infelizmente, essa projeção de desespero assume a forma de uma criança. Ele se apaixona por Lolita, uma menina de apenas 12 anos, e pelo que ela representa para ele. Obviamente não se trata de amor verdadeiro, ela é apenas um objeto sexual para ele, não uma pessoa.
Seus sentimentos são perfeitamente justificáveis, até naturais na cabeça maluca dele, pois sua interpretação do mundo é incrivelmente distorcida; e nós leitores, vemos tudo pelos olhos dele, e isso torna o livro muito sufocante de ser lido. Humbert é uma contradição ambulante, obsessivo ao extremo, ele, às vezes, é incrivelmente arrogante, e outras vezes é passivo, tímido, chora algumas vezes, sente remorso, talvez culpa as vezes (bem as vezes). Mas não esqueçam, ele é manipulador em tudo, até em suas fraquezas.
Relutantemente ele se casa com Haze para manter Lolita na sua vida, sua esposa, encontra seu diário e ao ler as anotações sobre Lolita, sai de casa desesperada e acaba sofrendo um acidente e morre. A partir de então Humbert se torna responsável legal da menina e inicia um longa viagem com ela de cidade em cidade, hotel em hotel, para desviar suspeitas de sua real relação com sua enteada, em algum momento, eles vão residir em uma cidade, ela vai frequentar uma escola, ele volta a lecionar, mas o medo de perdê-la o leva a decidir voltar a viajar.
Após a morte da mãe de Lolita, a história se torna muito mais pesada, não por descrições das relações que eles passaram a manter e duraram alguns anos, até porque não há esse tipo de descrição em todo o livro, mas sim por toda a manipulação psicológica e emocional que ele usa para justificar para si mesmo (e ao júri) suas ações e mantê-la sob seu controle até mesmo quando ela inicia adolescência e começa a preferir a amizade das amigas e ter interesse por outros meninos, ele ainda vai manter um alto controle sobre ela.
As coisas vão mudar de forma drásticas no final da trama, eles vão se separar, mas não porque ela consegue fugir dele ou porque ele não mais a queira, o motivo é bem inusitado e ele vai passar mais alguns anos a procurando. Somente no final da trama descobrimos o motivo que o levou para cadeia e o que acontece com ambos e posso garantir que todos esses fatos são bem atípicos e vão te surpreender.
O conteúdo do livro é muito triste, Humbert é vil, e mesmo sabendo que a história é ficcional, o que a torna mais difícil de ler é saber que tudo o que é narrado nesse mundo fantasioso também acontece na vida real. Acredito que por isso eu demorei tanto para ler, e entendo perfeitamente quem não tem vontade de ler ou quem abandona a leitura pelo caminho. Acredito que as leituras têm momentos certos para acontecer e "Lolita" precisa muito desse time.
Nabokov explora a mente de um predador sexual, e acho que como leitores podemos aprender muito no processo, ver como se forma a constituição psicológica de tal criminoso. Compreender esse tipo de monstro é o primeiro passo para reconhecer esse comportamento em outros homens e detê-los. A maioria dos abusos sofridos por crianças e adolescente são causados por familiares e ou pessoas próximas dessas crianças.
Apesar de repugnante, essa história de "terror" é uma obra de arte da literatura e vale todo o esforço. Obra de significativa influência na Literatura e nas Artes desde a 2ª metade do século 20, o romance Lolita, de Vladimir Nabókov, foi publicado em 18 de agosto de 1955. Considerado um clássico pela condensação e complexidade dos sentidos, Lolita se desdobra em múltiplas camadas de interpretação, uma vez que possui subtextos escondidos nas entrelinhas.
Saiba um Pouco mais sobre as Polêmicas envolvendo Nabokov e também Lolita
O romance Lolita, que glorificou Nabókov ao redor do mundo, gerou polêmicas e foi recebido com críticas por parte de seus leitores, pois aborda a obsessão de um homem adulto por uma menina adolescente. ?Pode-se dizer que é um estudo da psicologia de uma pessoa obcecada pela mania, um mergulho no mundo da sexualidade infantil, uma metáfora da velha e experiente Europa tentando seduzir a ingênua América?, explica Elena Vassina, professora de Letras Russas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa com a professora Elena Vassina: https://www.fflch.usp.br/35791
Serviço de Comunicação Social: Apesar das controvérsias, o romance Lolita é considerado um clássico da Literatura do século XX. Quais elementos fazem desta obra um clássico?
Elena Vassina: Primeiro, o livro é considerado clássico por ter tido uma influência tão significativa em Letras e em Artes desde a 2ª metade do século XX até nossos dias. Há muitas possibilidades de interpretação/leitura de Lolita, o que revela várias camadas dos subtextos escondidos no livro. Pode-se dizer que é um estudo da psicologia de uma pessoa obcecada pela mania, um mergulho no mundo da sexualidade infantil, uma metáfora da velha e experiente Europa tentando seduzir a ingênua América. Mas, ao meu ver e antes de mais nada, é uma declaração apaixonante do autor sobre o poder da arte: a obsessão e mania de Humbert Humbert em seu desejo convulsivo de domar e manter o "demônio imortal na forma de uma mocinha" é uma das mais brilhantes metáforas do próprio processo criativo.
Resumindo, a condensação e complexidade dos sentidos fazem de Lolita um livro clássico.
Serviço de Comunicação Social: Quanto às polêmicas, você acha que Nabókov almejou incitar certo desconforto nos leitores? Qual a sua percepção sobre a recepção do público, em relação à intenção do autor?
Elena Vassina: A reclamação mais comum sobre o romance era que Nabókov estetiza e quase justifica a pedofilia, colocando as crianças em risco. Mas é uma interpretação muito primitiva e linear do romance que, de propósito, quer enganar o leitor ingênuo para se revelar aos amadores (cultos e inteligentes!) das leituras intelectuais e altamente dialógicas.
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Elena Vassina é pesquisadora e professora russa, formada na Faculdade de Letras da Universidade Estatal de Moscou Lomonóssov (MGU). Possui mestrado em Literatura Comparada pela Universidade Estatal de Moscou, doutorado em História e Teoria de Arte e pós-doutorado em Teoria e Semiótica de Cultura e Literatura pelo Instituto Estatal de Pesquisa da Arte (Rússia).
Atualmente, é professora de Letras Russas na FFLCH USP. Tem experiência na área de Letras e Semiótica de Cultura, com ênfase em Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura russa, teatro russo, estudos comparados, tipologia de cultura.