Ana Sá 25/11/2021
"Brancos, sangrem conosco"
Esta obra, uma das finalistas do Jabuti 2021, é um ato político de denúncia-desabafo contra o genocídio negro no Brasil, tanto que o livro não tem nem fins comerciais. O e-book está disponível gratuitamente na Amazon.
O livro surgiu de uma chamada pública da Editora Elefante, motivada pelas trágicas mortes do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de recicláveis Luciano Macedo, que foram fuzilados por militares em 2019, no Rio de Janeiro. Os policiais atiraram mais de 200 vezes contra o carro onde estavam Edvaldo e sua família, sendo que Luciano morreu ao tentar ajudá-los. Na ocasião, a família estava indo a um chá de bebê.
Trata-se, portanto, de uma coletânea de autoria negra, com textos que expressam visões internas deste genocídio. E logo na introdução, a proposta de interlocução é anunciada: esses textos buscam por interlocutores brancos. E eu, como mulher branca, compreendi o motivo. Nós, brancos, podemos até achar que sabemos e entendemos um pouco sobre como funciona o racismo no Brasil, em especial nos grandes centros urbanos... Mas daí vem este livro e percebemos que, talvez, sabemos pouco. Que é tudo muito pior. E o recado é dado:
"... não se deprimam, lutem. Nós [negros] lutamos por obrigação, vocês [brancos de classe média que acreditam num mundo mais inclusivo e solidário], por consciência. Transformem a consciência em obrigação".
No geral, os autores dos textos não são escritores de ofício, por isso as formas e os estilos variam. Alguns são esteticamente espetaculares, outros são mais crus, outros são bem acadêmicos, outros são quase que a materialização de gritos de raiva, de medo, de exaustão.
Este livro é uma porrada atrás da outra. Pesado porque a realidade é pesada. Repetitivo porque a violência contra os negros não tem tirado férias em grande parte do Brasil. A quem for ao livro com a lente da branquitude, aviso: se é difícil ler, imagina como é difícil viver e relatar tudo que está escrito ali...
Por fim, preciso registrar que o texto de apresentação da obra já vale por uma aula de Brasil. Se você está sem tempo, leia pelo menos a introdução. É um serviço de utilidade pública a apresentação deste livro. Eu, mulher branca, vou passar muitos dias digerindo esses textos. Pesados, mas não mais do que a realidade à qual eles se referem.
"Se fosse um único tiro, não haveria chamada para livro".