Ghuyer 16/01/2023
Adaptação preguiçosa para o português
Como indica o título, Gilgamesh foi o "primeiro herói mitológico”. Pelo menos o primeiro de que se tem notícia. Sua narrativa gravada no barro pelos sumérios muitos vários trocentos anos atrás é a referência original para praticamente todas as histórias épicas que vieram depois, mitológicas ou não. Como é de se esperar, a primeira qualquer coisa de qualquer tipo sempre tem suas gritantes particularidades, sejam elas boas ou ruins. Assim como a maioria dos textos fundamentais de qualquer área, eu diria que a leitura de Gilgamesh serve muito mais para quitar uma curiosidade intelectual do que para divertir ou empolgar. A pessoa lê para constatar algo como: “Hmm, então era assim que eles compunham uma narrativa nos primórdios da língua escrita”. É interessante. Mas não muito mais do que isso. Coerência narrativa não era um conceito da época, e não viria a ser durante muito tempo, então boa parte da escrita inventa conceitos e regras do nada, apenas para depois esquecê-las ou trocá-las por outras. A sequência dos eventos também não faz muito sentido, as relações causais são arbitrárias, mas assim o são em qualquer mitologia. Não tem o que reclamar nesse sentido. O que dá para observar com alguma crítica negativa, até certo ponto, é a adaptação feita pelos brasileiros Carmen Seganfredo e A. S. Franchini nesta edição. Os dois têm uma coleção de lançamentos sobre as diversas mitologias do mundo. Esta é sua primeira obra que eu tenho dificuldades em terminar de ler. Está certo que adaptar um texto de milhares de anos não deve ser fácil, mas os autores/editores (escolha o termo que quiser) parecem ter sido excessivamente preguiçosos na escolha de palavras e construção de frases. Se por um lado há uma repetição cansativa de alguns substantivos e adjetivos (muitas vezes no mesmo parágrafo), por outro lado volta e meia aparece algum termo obscuro e pouco usual que destoa do restante do texto e quebra o ritmo da leitura. Eu fiquei satisfeito por finalmente ter conhecido a jornada do primeiro herói mitológico, mas também fiquei bem decepcionado com o tratamento dado ao mesmo pela dupla Saganfredo/Franchini.