alice 29/01/2024
"...o que importa é que ele viu o oceano."
"A obsolescência programada dos nossos sentimentos" vai falar sobre envelhecer, luto, frustrações, solidão, sobre as dores do corpo e as dores ainda mais terríveis da alma, sobre arrependimento, culpa e a sensação de não pertencer. É uma história sobre redescobrir, não só o amor e o prazer, mas a VIDA.
Vamos acompanhar o cotidiano de Ulisses e Mediterrânea e como os dois lidam com o medo do fluxo inevitável do tempo.
Sabe aquelas histórias que parecem simples mas carregam dentro de si um mundo de sentimentos? É o caso dessa HQ. A arte, cada traço evidenciando um sentimento, os diálogos possuem em suas entrelinhas ainda mais significados. É lindo, é doloroso... é real.
Através da perspectiva de Ulisses, acompanhamos sua rotina sufocada e desestabilizada após ser desligado da empresa em que sempre trabalhou, ele faz a mesma coisa há tantos anos que não consegue enxergar outra maneira de encarar seus dias, a solidão o acompanha e junto dela, a sensação de não ser mais útil.
"Quantas vezes mais vou repetir que estou curtindo a vida, finalmente aproveitando o tempo? E, sobretudo, não dizer que, na verdade, é o tempo que me consome pouco a pouco, como a maré, cruel, desgasta uma falésia."
Mediterrânea é uma ex-modelo, dona de uma loja de queijos e que está lidando com a morte recente da mãe. Ela carrega dentro de si outros lutos e todos eles evidenciados pelas marcas do tempo em sua pele. Sua mente não aceita o que vê em frente ao espelho, para ela é assustador que seu corpo seja um lembrete visual e constante de que o tempo ? inevitavelmente ? está passando.
"O corpo se resigna mais rápido do que a alma. O tempo o enruga, o injuria, o humilha... o "envariza", o "menopausa", o extenua, o cicatriza."
Ao encontrar Ulisses, ela redescobre os prazeres do corpo que tanto a assustava e percebe que apesar dos medos que a perseguem, está viva e merece ser desejada e amada por alguém. O desejo de Ulisses transforma a visão que Mediterrânea tinha de seu corpo, ela passa a enxergá-lo como um companheiro, cada marca carregando sua própria história.
É um dos pontos mais lindos dessa HQ, o momento em que os dois se permitem sentir. Quando percebem que estavam apenas existindo e não vivendo.
No começo achei apressado a forma como o relacionamento dos dois começou, depois percebi que eles esperaram tanto tempo...por que esperar mais ainda para ser feliz? Eles tinham a urgência daqueles que acreditam não merecer mais o amor, como se houvesse um prazo para esse sentimento.
Envelhecer é assustador, todas as cobranças que o avanço do tempo carrega mas, no fim, o importante é ter alcançado e contemplado a imensidão do oceano (nem todos têm a sorte de uma tempestade jogá-los em um galho no alto de uma árvore)