Vitor Peixoto 09/01/2021
Uma deliciosa aventura sertaneja
Não há como deixar de valorizar o Nordeste brasileiro após a leitura de uma obra de Ariano Suassuna.
Fui pego desprevenido ao entrar na Livraria Jaqueira, aqui em Recife, e me deparar com este lançamento. Não sabia da existência de um romance inédito de Ariano, publicado recentemente em conjunto a uma reedição completa de sua obra pela editora Nova Fronteira. Livros caprichados, com ilustrações de seu filho, Manuel Dantas, e atualizações de texto que estavam em anotações feitas por Ariano em vida, mas não publicadas.
O Sedutor do Sertão, por sua vez, traz um charme maior. Romance que dialoga diretamente com sua grande obra, A Pedra do Reino, narrado por alguém que descreve as cenas de longe, como quem constrói a cena para os leitores (ou talvez com o objetivo de esclarecer suas ideias para o futuro filme que seria baseado na obra, mas que acabou não saindo do papel). Vê-se um personagem principal, Malaquias Pavão, um herói (ou anti-herói) do Brejo e do Sertão, e seu ajudante, Miguel, percorrendo os trajetos da Paraíba, através de áreas como Alagoa Grande, Taperoá, Pedra do Tendó (momento em que o narrador direciona sua fala para um ligeiro "diálogo" com os leitores, se referindo ao local como o mais bonito do mundo), incrustado num tema recorrente para Ariano em suas obras, e também em sua vida pessoal, especificamente sua infância: A Guerra de Princesa, revolta dos sertanejos contra o Governo do Presidente da Paraíba, João Pessoa, dentro do contexto da Revolução de 30, iniciada no Brasil à época.
O texto desliza por uma leitura rápida, divertida, e transporta o leitor para a realidade de intenso debate político no sertão nordestino, exibindo a astúcia de um personagem que sabe muito bem se livrar de tais percalços, sem deixar de exibir, para seus próximos (e aos leitores oniscientes), suas predileções.
O humor das peças de Ariano também está presente. Impossível não se lembrar da astúcia de João Grilo em O Auto da Compadecida ao aguardamos o próximo plano de Malaquias para a venda de sua cachaça sem selo em feiras diversas nas pequenas cidades da Paraíba, apesar do Sedutor do Sertão trazer um personagem principal que, errático para sobreviver na região dos anos 30, é bem visto pela população, alto e forte, se destacando entre os demais por sua atenção a religião, educação as mulheres, popularidade nas famosas zonas de cada região, que ele conhece pelo nome, e seu famoso e belo cavalo, o melhor e mais cobiçado do estado.
Escrito em menos de um mês, pensando nesse filme que tinha planos de ser lançado, O Sedutor do Sertão ficou engavetado por mais de meio século nas gavetas de Ariano. Ganha, enfim, uma edição para a alegria dos que tanto adoram suas histórias, e evidencia a inteligência e sensibilidade de um autor orgulhoso de suas origens, com bagagem cultural para trazer contexto histórico a um romance nordestino por essência, mas mundial em suas nuances.