Letícia Noronha 08/04/2024
Sobre o que é este livro? - Minha percepção após a releitura de O conde de Monte Cristo
“Conde, Conde…”, não sei quantas vezes murmurei essas palavras com um sorriso carinhoso enquanto lia esse admirável livro.
Como disse Mercedes, há um abismo entre ele e os outros homens. O conde de Monte-Cristo é descrito tantas vezes como um homem superior, seja pelo narrador, seja pelos personagens e até mesmo pelo próprio conde, que acreditava ser a mão de Deus. Mas a superioridade do conde não vem do seu título, da sua riqueza ou da sua vingança. Mas sim do seu inabalável amor-próprio e da sua fé, coisas estas que já estavam presentes em Edmond Dantés, que já era superior desde sua juventude como marinheiro.
Todo o livro se fundamenta na superioridade do protagonista. Sua superioridade o condenou, pois foi isso que causou inveja e a inveja que causou a conspiração. E sua superioridade o salvou, pois foi isso que o manteve vivo e estando vivo suportou suas provações que o tornaram ainda maior.
O conde de Monte-Cristo é um personagem que encanta pela sua profundidade e perspicácia, características que compõem também os seus muitos disfarces (Simbad - o marujo, abade Busoni, lorde Wilmore…) e fascina pela sua convicção no seu direito de vingança, e não só no direito, mas também na aprovação e até mandado de Deus para tanto.
E como não concordar ou, ao menos, ser condescendente com sua retaliação? E como, junto com o conde, não lamentar o desfecho trágico que sucede todas essas maquinações? Trágico sim, pois a vingança toma rumos inesperados, como se tivesse vida própria, como se já não obedecesse ao seu criador. E o conde, não sendo Deus, não controla até que ponto irá reverberar no mundo a consequência de seus atos.
Mas assim como os maus gestos se alastram como uma praga na plantação, os bons gestos do conde se enraízam nos corações dos seus alvos, garantindo afeição eterna ao benfeitor. Essas boas ações do conde para com seus amigos o coloca em muitos momentos como um anjo enviado dos céus para recompensar os bons, ideia que contrasta com a atitude de anjo mau tantas vezes assumida pelo personagem. E é justamente nessa contradição que o conde se aproxima do ser humano que é e se afasta do divino, se revelando nem anjo mau, nem anjo bom, mas o homem que, ora se compadece com os sofrimentos alheios, ora se regozija secretamente.
E o que dizer dos outros personagens tão cativantes dessa história? Tantos chamam a atenção pela sua honra e coragem, mas um chama a atenção pela sua infinita sabedoria: o abade Faria, que viu no prisioneiro Edmond um aprendiz e que nele depositou sua inteligência. Que história haveria sem o abade? A ele se deve a riqueza material, espiritual e racional do conde de Monte-Cristo.
No livro encontramos também histórias de fé, como a do velho Morrel; encontramos assassinatos e ganância, como na história de Caderousse; ingratidão, com o jovem Benedito; traição, com a senhora Danglars e seu amante Debray; romance, com Valentine e Maximiliem e tantos outros tipos de amores, de mãe para filho, de pai para filho, de amigos, de irmão…
São tantas vidas dentro desse grandioso livro! Tantos segredos, escândalos, intrigas e expectativas. Mas há um tema que permeia todas essas histórias... Por muito tempo pensei que esse livro fosse sobre vingança, mas nessa releitura vejo que talvez eu tenha me enganado quanto ao seu tema principal.
Esse é, na verdade, um livro sobre esperança!
A esperança é o que está presente em todas as partes da trama, a vingança vem apenas depois, além disso, na vingança também não se exige um certo grau de esperança!? A esperança está no jovem Edmond e sua noiva, no pai e no professor, nos vilões que esperam não serem punidos, há esperança nos apaixonados, na mãe que suplica pela vida do filho, na senhorita que foge do casamento, há esperança em Haydée que almeja ser amada como mulher e no conde que espera a justiça e depois, o perdão.
Há esperança por toda a parte e uma promessa de felicidade àqueles que conheceram o mais profundo sofrimento. Afinal, como diz o conde à Maximiliem “é preciso ter querido morrer para saber como é bom viver”.
Conde, conde... Sábias palavras.