douglaseralldo 13/04/2020
10 CONSIDERAÇÕES SOBRE APÁTRIDAS, DE ALEJANDRO CHACOFF OU SOBRE DEUS E O DIABO NA TERRA DO CAPITAL
1 - Há certa esterilidade nas almas e nas paisagens de Apátridas, um vazio que paradoxalmente parece preencher seu narrador-protagonista com angústias e incompreensões de uma alma que parece tentar ler um mundo sem grandes lógicas, um mundo em que o dinheiro o controla de acordo com o recheio dos envelopes de seu avô. É com isso também um romance em busca de identidade, uma busca de alguém que parece não encontrar seu lugar no mundo;
2 - Tal busca, tal tentativa de encontro consigo próprio e com a vida, ficará bem claro quando seu narrador confessa que "era como se eu mesmo escolhesse dar um tom trágico a uma vida demasiado leve" que é, na verdade, também a confissão daquele que protegido pela bolha burguesa e a despeito de seu olhar crítico para a mesma, acaba percebendo não ser apenas tocado por essa burguesia, mas acima de tudo, protegido por tais estruturas, pertencer. Com isso, há o que se parece, uma busca pela lucidez ao enfrentamento de tal crise identitária daquele que nega suas raízes escondendo-as sobre outras tantas, mas que, diversas, o constituem também. É o caso do narrador, o "neto americano do José do 8º Registro", filho de pai chileno, peregrino do mundo, mas que na infância precisa se proteger em seu ninho, no caso uma tradicional e cartorial família mato-grossense, o que nos abre o olhar então a uma análise social de certa acidez, mas não sem certa melancolia sempre presente na voz do narrador;
3 - Nisso vale dizer que o romance se dá em tons de memória, escrito num futuro já distante da infância que relembra, ou que tenta relembrar e dar significados. O que nos faz levar em consideração que quando escreve, já adulto, morando em Londres onde sua vida "lá tivesse certo aspecto de irreal" permanecem suas incompreensões identitárias, certa fuga de uma verdade que lhe parece incômoda. É preciso considerar esse narrador em fuga, em negação, que já ao fim da narrativa volta ao Mato Grosso, sempre em meio a esse conflito da rejeição pátria, uma das questões da narrativa. Mas em suma, são memórias, como as memórias nos são, elementos de leitura de nosso próprio universo, ainda que não consigamos ler tal universo em plenitude;
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