Qnat 14/12/2020
problemas de incoerência
Estou na dúvida se esse livro é melhor ou pior que o seu anterior.
Eu gostei tanto da trilogia original, que li este livro duas vezes para não ver se o problema era comigo. Sobretudo pelos comentários positivos no Skoob.
Mas preciso ser sincero comigo mesmo, já que escrevo as resenhas para mim mesmo! haha
Imagino que o primeiro livro foi uma apresentação de novos personagens e background para este segundo, então esperava mais desse!
Contudo, este livro está cheio de problemas.
O maior deles está na aparição repentina de personagens secundários, com soluções milagrosas e pouco justificadas, e cujos protagonistas confiam "imediatamente", tendo conversas até mesmo improváveis.
Algumas conversas simplesmente não faziam sentido algum, nem por si só, nem dentro do contexto da história.
O que na literatura se chama de Deus Ex Machina, o autor está chamando de "interferência dos espíritos/sociedade secreta". Basicamente é o acaso e a sorte que faz os personagens principais vencerem as situações impostas.
Espero que no terceiro livro isso seja mais bem explicado, ou só irá parecer uma solução preguiçosa de problemas que o próprio autor criou e não sabia como resolver.
Outro problema está nas escalas. Por exemplo, a imigração do pessoal por causa do problema com as rosas. Será que a economia das rosas é tão grande a ponto de criar um êxodo como o descrito?
E há a impressão é que a "Inglaterra" está caminhando para uma ditadura teocrática. Está naquele meio termo, onde as Universidades não são mais seguras, surgem milícias armadas "em nome de Deus", políticos radicais ganham poder, jornalistas são atacados e alguns grupos religiosos novos surgem.
Bem, tudo muito bem escrito e aterrorizante de fato, sobretudo por lembrar muito o que temos passado no Brasil hoje.
Esta contextualização foi muito bem escrita mesmo, e realmente sentimentos a tensão política surgindo.
Contudo, no universo criado por Pullman, mesmo quando Lyra era um bebê, já era assim!
Ou seja, é como se o livro estivesse fora do tempo do próprio universo criado.
Na trilogia original, cujos acontecimentos são anteriores a este livro, as pessoas já viviam com medo do Magisterium, o mundo já vivia em uma bem estabelecida teocracia (e só a universidade Oxford parecia "segura" para Lyra).
Inclusive toda a trilogia original era baseada nisso!
Mas é tudo descrito neste livro como um processo novo, mesmo estando no futuro em relação à trilogia original...
O que piora tudo: Os eventos finais da trilogia original não respaldaram em nada neste mundo?
Achei isso um pouco incoerente, pois o Magisterium já era forte e mandava em tudo desde sempre!
E a "justificativa" da Lyra perder "sua imaginação"... como assim? Ela viajou entre mundos, conhecia feiticeiras, xamã, espíritos, anjos, era uma leitora sobrenatural do já sobrenatural aletrômetro... E se torna uma pessoa cética porque leu dois livros de filosofia? Só se ela bateu a cabeça em algum momento. Ninguém muda tanto de personalidade.
Entendo que isso é uma metáfora poderosa sobre depressão, mas dentro do universo não é tão justificável.
Pontos positivos:
A escrita pelo Pullman está mais madura, até um pouco mais triste. O livro deixou de ser uma fantasia pura, e tornou-se uma forma de explicar sobre sentimentos, ansiedade, depressão...
Como os leitores da trilogia original (quando do seu lançamento) envelheceram, é legal ver os personagens e temas também amadurecendo.
O livro possui muito mais elementos também de política, discussão sobre filosofia, e mantém uma crítica certeira à teocracia que nos assusta. O livro trabalha melhor elementos de espionagem também, sem parecer forçado.
Foi interessante ler uma fantasia com personagens adultos e problemas adultos, apesar de alguns pontos fracos em ritmo e exagerado carrossel de personagens secundários.
No fundo, no fundo mesmo, o livro seria nota 5 e favoritado se fosse um livro novo, com novos personagens.
Poderia até ser no mesmo mundo de Lyra, mas passado um tempo "antes" da história de Lyra.
Mas sinto que o escritor precisou usar o nome "Lyra" por motivos editoriais e comerciais, e assim criou uma série de incoerências, demolindo sua própria construção de mundo. Nunca pensei em dar nota 2 para Pullman.
Essa resenha ficou grande e um pouco confusa, então desculpa se alguém foi doido de ler isso aqui até o fim!