Euflauzino 31/01/2011Sinestesia em altaMuitas vezes nos deparamos com um escritor que nos cala em algum lugar tão profundamente que não nos tornamos fãs, mas seguidores, defensores, “escravos”. Esta é minha relação com Simone (ah minha cara, desculpe-me o trocadilhos, mas você hoje é portadora e eu seu humilde vassalo) e me questiono o porquê das editoras, salvo as corajosas dispostas a apostar alto, insistirem em procurar obras fora de nossa imensa área territorial, sob o pretexto de que mais vale o dinheiro no bolso, que o prazer da descoberta.
Bom, deixemos esse dilema filosófico-financeiro para celerados de plantão. Conheci Simone há algum tempo, tempo este que me ficou na memória, tal qual um amálgama entre simpatia e espírito, por sua gentileza e humildade (caramba, esta mulher é uma rainha e me tratou como um gentleman que na verdade passo longe). Isso tudo antes de tomar contato com sua literatura. Ela já havia me ganhado. Provei de suas letras, suas personagens, seu encantamento em “Gênese pagã” e me apaixonei rapidamente, sem rodeios, de maneira avassaladora.
Por isso hoje posso tecer comentários isentos, livres de seu magnetismo pessoal, mas ainda encarcerado em seu mundo literário. Simone é mestra e algoz, detêm a chave da masmorra que me mantém cativo, preso de forma irremediável a suas personagens. Ela tem o poder de descrever em pouquíssimas linhas tudo o que precisamos saber sobre elas e não abre mão de nos colocar a par de toda a gama sinestésica que é “Agridoce” – um título, por si só, imerso no sensorial, gustativo, impactante.
O sobrenatural na obra de Simone é tão perturbador que chego a pensar que nasceu com sua linguagem. O real e o imaginário, partes de um mesmo universo, siameses, inseparáveis, confundindo-se e confundindo-nos a ponto de nos fazer questionar sobre o que seja “realidade”. Não digo isso pelo enredo, pelo alto grau de criatividade, mas por sua ficção sempre tocando as bordas do real.
Levantar questionamentos , arremessá-lo em nossa cara é o que me atrai na escrita de Simone. A recriação de um mito como o vampirismo sempre causa incômodo, revolve pilares antigos, repletos de deuses que não se deixam bulir. É preciso coragem, loucura, paixão e sobretudo talento. Simone, de maneira sublime, inventa novas vertentes em vieses inovadores, construindo um universo rico, complexo e cheio de possibilidades.
Portadores, antagonistas, escravos, tutores, contaminados, anarquistas, mensageiros, interligando-se em meio a paixões próprias de meros mortais nos traga como um ciclone. Como bem disse Georgette Silen, acabamos por nos reconhecer, sob a superfície arquetípica do mito – são nossas relações sociais que estão sob a ótica irreal, travestida de fantástico.
Anya, personagem central, se vê diante de uma “realidade” da qual nunca sonhou – tem “poder”, mas junto a ele, responsabilidades e cuidados inerentes a sua nova condição. Dádiva ou maldição? Este é o dilema de Anya. Ela terá ajuda de seu pai Edgar, seu tio Ivan, de seu tutor Rafael e de seu escravo (uma pitada sensual, provocativa, em um sistema já repleto de erotismo) experiente na arte de seduzir, porém será caçada como um troféu, por esta mesma condição e por despertar alguém cujo objetivo é destrui-la. Desde “O perfume” que não leio algo que mexesse tanto com meu sensorial – olfato, paladar, pele.
Fiquei completamente insano ao chegar ao final do livro e não perceber nada que me levasse a crer que estas personagens magistrais não se tornariam parte de uma “saga”. Quero mais livros, quero dezenas deles, com todas as personagens de volta, não me negue isso Simone. Ainda me encontro sob um impacto tão forte de imagens e sensações que me é difícil escrever, mas teimosamente escrevo e venero aqui uma escritora maravilhosa.