spoiler visualizarWagner269 07/02/2021
Os Selvagens na Praça
Wagner Moraes, banco da praça zona Oeste, São Paulo, 2021 - na praça com meus cachorros
Estava há algum tempo, sentado em um dos bancos da praça perto de casa. Às vezes passava algum cachorro que tirava a paz dos meus, eu precisava acenar que ficassem quietos e eles sossegavam. Sou tutor de dois border collies, um macho grande demais pra raça e uma fêmea grande demais pra raça; como são cachorros de trabalho, eu preciso trazê-los à praça todos os dias, duas vezes pelo menos.
Minha esposa costuma dizer que achei os cachorros certos para minha alma inquieta, ela é uma libriana com ascendência italiana, os exageros fazem parte não somente dos seus gestos.
Gosto de ler poesia e contos ao ar livre, não leio romances ou livros maiores. Recentemente, terminei de ler os contos do Aleph, me senti imensamente burro por não ser capaz de apreender aonde poderiam me levar os labirintos de Borges, encantando com a literatura latino-americana, em sequência peguei na biblioteca o Todos Os Fogos de Cortazar e apostei em uma releitura de Juan Rulfo.
Procurando mais sobre literatura mexicana encontrei um Octávio Paz, com uma escrita tão incrível e difícil (ao menos para mim), quanto Borges.
Lendo sobre o poeta máximo do México, dei com um estilo literário que nunca ouvi falar, chamado real-visceralismo, parece que um grupo de poetas deste movimento arquitetou ou quis arquitetar ou realmente sequestrou o grandíssimo autor.
Logo me vi procurando os tais poetas, mas não havia qualquer publicação, tive que pesquisar cada vez mais em sites obscuros, entrando num mundo de abas que se perdiam entre outras abas do meu navegador até que encontrei uma poesia de um certo Juan García Madero, mas não havia nada que dissesse que ele era um real-visceralista.
O poema falava sobre o fundo do mar de uma cidade chamada Aztlan, com uma lua vermelha deserta que nunca ia embora pois aguardava o retorno dos antigos povos; não sei porque me vi transformado num lobo, correndo por entre num morro dessa cidade impossível, uivando para uma lua também impossível em sua cor escarlate.
Ao final da página encontrei uma dedicatória para Cesárea Tinajero, Ulises Lima e Arturo Belano, iniciei então uma busca pelos quatro nomes, mas não achei nada.
As buscas na Internet se mostraram vazias, não havia qualquer resultado na busca sobre aqueles nomes.
Eu estava de cabeça baixa, olhando com atenção olhando meu celular. Meus cachorros começaram a rosnar, e pedi que fizessem silêncio, olhei na direção que seus focinhos apontavam e só então percebi que a noite havia chegado.
Vi na Alameda entre as árvores as duas silhuetas se aproximando interagindo uma com a outra. Eram dois senhores de cabelos grisalhos chegavam até pouco abaixo dos ombros, vinham em nossa direção, mas também parecia não terem me visto, andavam como dois fantasmas ou talvez fosse a luz das estrelas e dos postes que fizesse brilhar em seus ossos tão magro que eram.
Quando passaram, não tiraram os olhos dos cachorros, um deles, o barbudo disse algo que não entendi bem, e o outro respondeu em espanhol, "perros", não tenho certeza de ter escutado, foram andando até outro dos bancos e fiquei vendo-os tentando decifrar o que falavam, me puni por nunca ter aprendido o espanhol.
Eles pareciam serenos, às vezes se punham a falar sem parar enquanto o outro ria e as vezes ambos se calavam e tive a certeza que choravam, mas também duvidava que estivessem chorando tanto quanto duvidava que realmente estivessem ali.
Eu os observava com uma curiosidade natural, porque esperava que a qualquer momento se desintegrassem juntando-se as cores indistintas da noite. Eu estava pronto para ir embora quando tive a certeza de ouvir real-visceralismo, tive certeza que um deles disse isso, depois eu comecei a ouvir nomes que eram estranhos mas também que eu conhecia Laura Damian, Angelica Font, Maria Font, Quin, Requena, Barrios, Pancho Rodriguez, Pele Divina e ri desse último nome. Depois não ouvi mais nada, não sei se não falavam, ou se eram capazes de se comunicar no silêncio.
Não sei por quanto tempo estive ali, mas depois depois de observa-los por um longo tempo, decidi ir embora. Passei por eles mesmo que não fosse necessário, eu queria que percebessem que eu existo, e queria vê-los uma última vez, vê-los melhor. Meus cachorros um pouco a frente ditavam o ritmo, e quando passamos por eles, não mexeram com meus cachorros, nem me cumprimentaram, mesmo que dessa vez tive certeza que me viram.
Quando olhei bem no rosto de cada um, foi como se eu tivesse sabido a vida inteira que eu os havia encontrado, e depois como se meus pensamentos tivessem ido para outro lugar, quando meus pensamentos voltaram, eu não tive certeza de mais nada.
Na saída da praça não olhei pra trás tive medo de não estarem mais lá.
Por isso não olhei.
***Esta é uma brincadeira em cima da leitura dessa obra maravilhosa. Melhor livro que li até hoje. Perfeito em todos os sentidos. Nos últimos três dias, só fiz ler este livro!
Bolaño, já entrou no meu panteão literário.