Os detetives selvagens

Os detetives selvagens Roberto Bolaño




Resenhas - Os Detetives Selvagens


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Ana Sá 17/04/2023

Uma literatura latino-americana em fuga de si, em busca de si
A narrativa policial de Roberto Bolaño (que não é o Chaves!) é dividida em três partes: na primeira e na última acompanhamos o diário pessoal do jovem universitário Garcia Madero, um recém-agregado ao Real-Visceralismo, movimento literário marginal fundado por Ulises Lima e Arturo Belano; na segunda, as leitoras são convidadas a se tornarem elas as detetives do romance, visto que somos surpreendidas por diversos depoimentos sobre Lima e Belano, sendo grande parte deles fornecidos por personagens já apresentadas na primeira parte, mas também por personagens que protagonizam outras obras de Bolaño (aliás, essa "repetição" de personagens é um marco da escrita do autor e eu particularmente gosto muito disso!).

A referência sócio-temporal do livro é o México da década de 1970, sendo que os depoimentos/ as entrevistas da segunda parte se estendem até a década de 1990. O humor e a ironia dão o tom em grande parte do livro, e o restante fica por conta da metaliteratura: personagens-escritores, escritores-personagens, personagens-leitores... E aí está um dos elementos que faz Bolaño ser tão aclamado: no geral, a literatura não é reduzida a sinônimo de erudição ou elitismo; aqui, escritor e prostituta caminham (ou fogem?) lado a lado, por exemplo. A literatura referenciada em "Os Detetives Selvagens" é ora marginal ora caricata, mas sempre a literatura dos sebos, dos livros usados, dos livros roubados, e não das edições de luxo.

Eu diria que "Os Detetives Selvagens" é como que um palimpsesto de buscas literárias: Garcia Madero busca seu lugar num movimento literário que nem ele sabe ao certo se existe, e é por isso que ele procura incessantemente por Lima e Belano, enquanto estes buscam por indícios da misteriosa poeta mexicana Cesárea Tinajero. O grande enigma do romance é, afinal, o lugar que a literatura latino-americana ocupa nesse fluxo "visceral".

Pra não dizer que não falei das dores, eu confesso que considero algumas passagens do livro enfadonhas. Ainda assim, essa foi uma releitura! E a minha principal motivação é o meu apreço pelo estilo de escrita de Bolaño, mas sobretudo, neste caso, pelo final do romance. Eu adoro o desfecho de "Os Detetives Selvagens", e com essa frase eu encerro a resenha. Daqui pra frente, eu só teria spoiler pra entregar, e longe de mim facilitar a investigação de vocês! ;)

Obs.: se você ficou curiosa para conhecer esse escritor que é o queridinho de pessoas como Susan Sontag e Patti Smith, mas está sem tempo ou com preguiça de encarar tantas páginas, eu sugiro o livro (bem curtinho!!) "Amuleto". Ele não revela toda a genialidade do autor, mas nos aproxima do seu "tom" literário; é um bom cartão de visitas, na minha opinião. Já nos contos, eu acho que Bolaño deixa a desejar... Os poemas, por sua vez, têm algo de interessante, mas igual ao que acontece com a poesia de Borges: é preciso separar o joio do trigo! Sei lá, pra mim, Bolaño nasceu é pra ser romancista, e que romancista!
Jacy.Antunes 19/04/2023minha estante
Ótima resenha, Ana. É uma pena que seu último livro 2666 não seja tão bom quanto Os detetives selvagens.


Ana Sá 19/04/2023minha estante
Concordo, Jacy! 2666 tem passagens primorosas, mas não é difícil notar que se trata de uma obra póstuma; a gente percebe que há ali um projeto em aberto de Bolaño, né? Sempre bom saber sua opinião sobre as resenhas, adoro as nossas trocas! E agora que estou sem instagram, sinto falta de termos mais interações! Espero que esteja tudo bem por aí. :)


Velho, feio, pobre e burro 04/08/2023minha estante
Quis começar a ler Bolano pelo "Amuleto", e não deu certo. O começo é genial, tem imagens e personagens marcantes, mas depois parece que não sabe onde chegar. Fiquei com a impressão que o livro faz muito mais sentido para alguém mergulhado na cultura latino-americana.
Afastei-me de Bolano. Navegar é preciso, ler Bolano não é preciso.




Leo 17/10/2009

Lá pelo terço final do romance “Soldados de Salamina”, de Javier Cercas, o escritor Roberto Bolaño surge como personagem para fazer uma curiosa intervenção no rumo da história. Quando o protagonista, que escreve um livro sobre a guerra civil espanhola e não consegue encontrar uma testemunha-chave do conflito, indaga de Bolaño o que deveria fazer, o autor chileno não hesita:

"- Você terá que inventar a entrevista com Miralles. É a única e a melhor forma de terminar o romance. (...) A realidade sempre nos trai; o melhor é não dar tempo a ela e traí-la antes. O Miralles real te decepcionaria; é melhor que o invente: seguramente, o Miralles inventado é mais real que o real."

Contar mais é estragar o final do livro, que merece ser lido. Mas a importância do trecho não está somente no fato de estabelecer a virada principal na trama de “Soldados...”, mas principalmente na forma como simboliza o atual papel de Bolaño como guru do que de melhor tem surgido na literatura em língua espanhola nos últimos anos.

Morto precocemente em 2003 após uma série de complicações hepáticas, Bolaño deixou cerca de 20 livros, entre romances, contos e poesia, nos quais, não é exagero dizer, conseguiu reinventar a literatura latino-americana sem negar sua tradição. Misturando o urbano com o pitoresco e buscando referências na cultura européia, o escritor chileno criou uma obra que consegue ser pop sem ser rasa, um pastiche de estilos e referências que leva finalmente a literatura latino-americana ao encontro do (pós-)pós-moderno e permite que ela escape, enfim, das amarras do realismo fantástico. Nesse sentido, ele se liberta, e liberta a própria literatura do nosso subcontinente, de um certo autocentrismo, partindo rumo a uma universalidade enriquecedora que, ao se espelhar em outras tradições, consegue definir melhor sua própria identidade.

Não que essa transgressão seja necessariamente pioneira. Mas o mérito de Bolaño é assimilar o antigo e o vanguardista, pôr tudo no liquidificador e assim criar o novo. Em “Os Detetives Selvagens”, considerado por muitos sua obra-prima, é possível encontrar um experimentalismo que costuma render comparações com Julio Cortázar, ainda que o estilo do chileno não possua o hermetismo do seu colega argentino. Isso porque, nos livros de Bolãno, há pluralidade de narradores, há metanarrativa, mas há sobretudo uma boa história, muitas vezes convencional, quase sempre romântica. Seus livros agarram o leitor e o levam por uma jornada apaixonante, em que a tragédia e o patético freqüentemente se confundem. Seus personagens são invariavelmente escritores, que se jogam no mundo em pequenas aventuras, à procura de algo que não sabem definir (a si próprios?).

Essa obsessão por protagonistas latinos, exilados e malditos reflete a própria biografia do autor. Após apoiar Salvador Allende e ser preso por Pinochet, Bolaño abandonou o Chile e correu o mundo. Morou no México, em El Salvador, na França e na Espanha. Foi vigia noturno, camelô, guerrilheiro, boêmio, vagabundo. Passou necessidade, escreveu para sobreviver, usou muitas drogas. Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, Sarah Pollack, professora da City University de Nova York, chega a definir a aura cool de Bolãno como “uma mistura dos beatniks com Rimbaud”.

A comparação do escritor chileno com o famoso movimento sócio-cultural-filosófico-literário surgido nos EUA durante os anos 50 não merece parar por aí. No já citado “Os Detetives Selvagens”, os dois protagonistas, Ulises Lima e Arturo Belano (Belano, Bolaño, pegou?) partem em um carro rumo ao deserto de Sonora, à procura de uma poetisa perdida, antes de saírem viajando pelos mais diversos países. É uma espécie de “On the road” da era da globalização, já que, aqui, a estrada é substituída pelo próprio mundo.

E, assim como no clássico beat de Kerouak, o que o leitor encontra em “Os Detetives Selvagens” é uma história envolvente, daquelas que despertam uma vontade imensa de se viver uma experiência parecida, repleta de personagens capazes de deixar saudades após se chegar à última página. É inegável que a intensidade e a riqueza da narrativa se devem à vivência de Bolaño, que realmente passou por grande parte das peripécias às quais submete seus personagens. Não é à toa que, a certa altura de “Soldados de Salamina”, ele comente com o protagonista:

“- Para escrever romances, não é preciso imaginação. Só memória. Os romances se escrevem combinando lembranças.”

Para nossa felicidade, lições como essas vêm sendo assimiladas e aplicadas pelos inúmeros escritores que, através de seu estilo ou temática, dão atualmente continuidade ao legado de Bolaño para a literatura do nosso subcontinente e, por que não, do resto do mundo.
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Mariana. 08/01/2010minha estante
Leo, tou impressionada. Um verdadeiro estudo sobre o Bolaño. Sabe que fiquei sabendo dele por aqui somente. No more information about. Até ler a sua resenha, o que me deixou me sentindo super íntima agora, rsrs. 'Os Detetives' é um bom livro para iniciar os trabalhos? Bjs!




Clarissa 28/01/2024

É difícil definir as sensações causadas por esse livro. Definitivamente não é uma leitura fácil, nem fluida, mas quando eu entrava nela, não queria mais sair. Acredito que para quem tem mais conhecimento sobre poesia e literatura hispanoamericanas, a narrativa seja muito mais prazerosa. Como não é o meu caso, achei algumas partes bem cansativas e até desnecessárias (dentro das minhas obvias limitações), porém outras, especialmente na segunda parte, me fizeram imaginar que estava lendo relatos reais e acessar sentimentos e reflexões difíceis de traduzir em palavras. Enfim, é uma narrativa madura e complexa, com muitas camadas, e que exige muitas releituras pra se chegar pelo menos um pouco além da superfície da genialidade desse autor. Mas pra mim, embora tenha sido uma caminho difícil, valeu a viagem.
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Luiz Miranda 13/10/2021

Virtuosismo Literário
624 páginas, demorei basicamente 2 meses pra terminar. Não é uma leitura fácil, seu caráter fragmentado, episódico, faz parecer maior que é. Mesmo com essas ressalvas é o melhor livro que li este ano. Um trabalho formidável de Bolaño, que definiu a obra como "uma carta de amor à minha geração", bingo!

É dividido em 3 partes, a primeira é a transcrição do diário de um jovem pretendente a poeta no México dos anos 70, Garcia Madeiro, e sua aproximação a um grupo chamado "real viceralistas" liderado por Arturo Belano (alter-ego do escritor) e Ulises Lima. O que no início parece banal e corriqueiro, logo cativa pelo desfile de personagens e suas particularidades.

A segunda parte, que corresponde a 80% do texto e leva o nome do livro, reproduz dezenas de depoimentos de dezenas de personagens. Os depoimentos parecem fazer parte de uma grande investigação sobre Belano e Lima, acontece que os depoentes acabam muitas vezes falando mais sobre si. Aqui, nessa enorme coletânea de declarações, Bolaño mostra seu talento excepcional. É simplesmente assombroso como ele encarna os mais diversos tipos sem nunca duvidarmos nem por um segundo deles. Um rigoroso exercício de virtuosismo literário.

Na terceira e última parte, retomamos o diário de Madero na sua fuga ao lado de Belano, Lima e Lupe. Um desfecho melancólico e também triunfal, já que deve ter sido um esforço colossal dar luz a um texto epistolar, "roman à clef", gigantesco como esse.

É uma pena que a bolanomania tenha rolado após a morte do escritor, ele MERECIA ter obtido mais sucesso em vida, de qualquer forma, antes tarde que nunca. Pegue coragem e leia.

4,5 estrelas
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Gláucia 08/09/2015

Os Detetives Selvagens - Roberto Bolaño
"Publicado em 1998, foi eleito em 2006 o livro chileno mais importante dos últimos 25 anos."
Assim que é apresentado o livro em sua contracapa o que me levou a pensar no que li até então de literatura chilena.
Jamais teria me aventurado sozinha a fazer essa leitura, debatida de forma presencial na parceria do FLEPEV e Os Espanadores. Não quero aqui criticar o livro, apenas falarei (como sempre faço) da minha relação com ele. Que foi sofrida. Muito sofrida.
Nem saberia como resumir o enredo. O livro é enorme e dividido em 3 partes. Na primeira o relato é feito em forma de um diário por um candidato a poeta de 17 anos, interessado na vertente Real Visceralismo, movimento poético liderado por Arturo Belano e Ulises Lima. Os dois partem na busca de uma poetisa do movimento desaparecida, Cesaria Tinajero. A segunda e mais extensa parte é composta por depoimentos de várias pessoas sobre os dois e para mim foi a parte mais sofrida pois se compõe de histórias absurdas, aparentemente sem relação uma com a outra que me levou a perguntar: qual o propósito desse livro? Na terceira parte ( a melhorzinha) voltamos ao diário de Juan García Madero onde teremos finalmente a resolução do misterioso paradeiro de Cesaria.
Certamente deve ser um excelente livro, mas para o tipo certo de leitor que, obviamente não sou eu. O debate foi ótimo e, para mim, extremamente necessário pois conseguiu aclarar um pouco minhas ideias em relação ao livro. Mas é inegável que sofri para terminar a leitura.
Bia0210 19/08/2017minha estante
Odiei o livro. Odiei o estilo do autor e o enredo. Resumindo: leitura muito sofrida!


Luiz Miranda 18/08/2021minha estante
É um bom livro, mas em 18 dias não passei de 200 páginas. Parece que leio e leio e não saio do lugar.


Gláucia 18/08/2021minha estante
Foi difícil viu...


Marcianeysa 18/08/2023minha estante
Nossa, do meio pro fim você torce pra que acabe logo. Com 200 páginas a menos seria melhor




Alan360 12/10/2020

Simplesmente leia!
Livro sensacional. Difícil fazer uma resenha. Simplesmente leia!
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Kesio.Rodrigues 30/11/2022

Bolano eu te amo
Eu não seria capaz de explicar o que ocorreu em mim durante a leitura desse livro, mas eu posso dizer que nenhuma leitura que eu fiz até hoje foi tão prazerosa quanto essa. Entenda "Prazerosa" no sentido da mais pura felicidade. Agora que finalizei o livro eu só consigo pensar em uma resenha antiga que dizia simplesmente "OBRIGADA MEU DEUS."
É isso. Leiam esse livro e suas vidas com certeza ficarão um pouco mais feliz.
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andalm 29/11/2009

Não tive paciência de ler todas as entrevistas e tentar fazer paralelos.Perdoem minha insensibilidade. Pra quem gosta é um prato cheio.
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Lucas de Sena 12/04/2010

Blog - entrevistas
Olha, Roberto Bolaño fala deste e de outros livros,
suas influências, seus amigos e o prêmios que ganhou neste blog, que edita suas entrevistas em português:

http://estrelaselvagem.wordpress.com/
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Rodolfo Vilar 03/10/2021

Um labirinto
É sempre assim, quando estou lendo Roberto Bolaño (como aconteceu em Noturno do Chile) eu fico me perguntando "pra onde essa história está me levando? SOCORRO! Risos. Mas o bom de ler Bolaño é exatamente essa sensação de vertigem que a literatura dele propõe. Você ao mesmo tempo pertence e não pertence a história.
.
Em Detetives selvagens acontece a mesma coisa. Logo na primeira parte do livro quando somos apresentados ao personagem que dá voz a narração, Garcia Madero, sentimos que estamos caminhando numa trilha. García Madero nos conta, através de seu diário, um pouco sobre sua vida, principalmente sobre seu processo de amadurecimento, da sua busca pessoal em ser quem quer ser e sua aventura pela literatura mexicana. É nesse momento que ele é aceito por um grupo seleto de intelectuais chamado "Real-visceralistas", um grupo totalmente deslocado, excêntrico e que eles próprios não entendem o conceito do Real-visceralismo proposto pelos seus líderes Arturo Belano e Ulisses Lima. É durante essa narração das aventuras do personagem, e exatamente quando um fato x acontece, que somos transportados para a segunda parte do livro.
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Ao adentramos a segunda parte do livro somos inundados por mais de 30 vozes, com inúmeros personagens e situações numa espécie de "investigação selvagem", onde personagens emprestam a sua voz para relatar sobre sua relação com os dois principais sujeitos do grupo intelecto: Ulisses e Arturo. Contando fatos que se ligam ao dois (ou não), conhecemos as facetas e histórias de vida dessa dupla excêntrica em busca da fundadora do grupo Real-visceralista. Datas, fatos, comédias, dramas e muita muita referência literária é embutida nessa parte, fazendo de nós leitores os próprios "Detetives selvagens".
.
Ler Bolaño não é fácil, mas é uma daquelas leituras que transformam ao fim. Repleto de humor, mas tbm de partes bem tristes e pesadas, o autor consegue usar de forma bastante madura o seu estilo de literatura, que busca levar o leitor a enxergar a arte e a literatura com outros olhos, dando ênfase que leitor e obra pode e devem estar sempre conectados. Deixo a minha indicação de uma obra bastante aclamada, cheia de camadas e transformadora.
Monara 21/04/2022minha estante
Que incrível.




Ivan Picchi 01/07/2012

Genial
Pela andanças de autores latino-americanos, acabo nesse; um Cortázar chileno.

Cada personagem, e são muitos, parecem um autor diferente. Uma narrativa totalmente diferente. Puta que o pariu, só tinha visto isso sair bem natural em trainspotting e jogo da amarelinha.

Virou um dos meu autores favoritos. Só me resta caçar o q falta dele.

Recomendo e MUITO
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Dom Ramirez 08/02/2013

A Surpresa de Bolaño
Este livro foi para mim uma experiência peculiar. Geralmente, leio mais livros pequenos do que livros grandes, e na maioria livros do século XIX ou início do séc XX. Tenho certa dificuldade com contemporâneos, salvo algumas excessões. Quando me proponho a ler um livro grande, geralmente vou em algum dos meus autores favoritos, como Dostoievski.

No entanto, por insistência da minha namorada que amou este livro, decidi encarar Os Detetives Selvagens. Confesso que já tinha certa simpatia pelo título e pelo cenário, sou fascinado pelo México. Após este preambulo talvez desnecessário, vamos ao livro.

No início da leitura, notei algo estranho. Apesar de não estar achando o livro nada de mais, eu não conseguia parar de ler. E olha que eu não tenho cerimônias em abandonar um livro que eu não esteja gostando. Logo de primeira, li umas 70 pgs. Chegando na segunda parte do livro (o livro é dividido em 3 partes), fui entendendo o que a obra tem de genial. A história dos protagonistas vai sendo construída lentamente a partir de um mosaico de depoimentos de homens e mulheres que estiveram com eles desde os anos 60 até a década de 90. É impressionante como Bolaño conseguiu se comunicar através das mais diferentes vozes, pois cada depoimento é narrado em primeira pessoa pelo próprio depoente. A sensação é de que o livro está sendo escrito por diferentes pessoas.

Cabe dizer que em nenhum momento senti a leitura enfadonha ou algum trecho desnecessário. Bolaño também oferece ao leitor uma enxurrada de referências de poetas e escritores, em sua maioria latino-americanos. É um livro sobre poesia, poetas, cultura méxicana, um livro também sobre solidão e sensação de não pertencimento, pois acompanhamos a jornada de dois nômades em busca da poesia e, numa leitura mais profunda, em busca de um sentido.

Grande livro, vale o investimento.
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Leo 18/09/2018

A realidade é visceral, amigo.
Ontem li um rapaz comentando que derrubou os livros de uma moça; ajudou-a a recolher e então lembrou dos filmes onde grandes paixões nascem assim. Abriu um sorriso e ela, ao notar, comentou algo como: "o que é tão engraçado em derrubar meus livros, babaca?"

E foi embora. O rapaz, resignado, concluiu: a realidade é uma merda.

A tragicômica história tem muito a ver com o livro que, por coincidência, terminei ontem: Os Detetives Selvagens, clássico da literatura chilena escrito por Roberto Bolaño.

A ficção é feita para ser conforto. Esteriótipos de felicidade, sucesso, bem estar, preenchem telas e páginas. O casal feliz, o objetivo cumprido, o bem vencendo o mal, o herói derrotando o vilão. O coração dispara, a barriga gela, ficamos tensos. No final, dá tudo certo, e podemos viver nossas vidas com um sorriso a mais no rosto.

Não em Detetives Selvagens.

A trama gira em torno de um grupo de jovens poetas: os real-visceralistas. Universitários, boêmios, matam aulas em bares ou cafés, conhecendo as drogas e o sexo, alimentando sonhos de viajar pelo mundo. O livro não apresenta qualquer poema real-visceralista. Todavia podemos entendê-lo ele próprio dentro desta definição.

A despeito dos sonhos e boemia, existe uma realidade, dura e visceral, que se impõe aos personagens sem que haja muito a ser feito. Dificuldades de emprego, amores frustrados, impotência sexual, morte, doenças, golpes de Estado, guerras civis. Amizades que se iniciam e acabam, pessoas que vem e vão.

Não há grandes planos, um Destino manifesto que nos garanta a felicidade dos filmes de herói e bandido. A vida segue seu rumo, e este pode acabar em uma estabilidade que te mate de tédio ou, quem sabe, num precipício que te acabe de vez. Não espere redenção, não espere sentido, não espere o sorriso. Nada te garante.

Quando comecei a obra, pensei em se tratar de um romance policial. Enganei-me. Os detetives do título não são personagens do livro: somos nós, leitores. A investigação não é sobre algum crime violento, é da própria realidade e de como é selvagem, fluída, anárquica, muito distante das utopias da juventude e do felizes para sempre antes dos créditos finais.

Detetives Selvagens é uma obra áspera, filosófica e complexa.

Uma das mais prazerosas que li. A sensibilidade e profundidade das diversas personagens, as ideias refinadas, as reflexões plurais e diversas.

Uma das mais dolorosas que li. É duro ter esfregado na cara que seu grande amor não vai acontecer de um esbarrão. Ou que, mesmo que aconteça, este mesmo grande amor pode se tornar um fracasso que passa os dias comendo para engordar e bebendo até a embriaguez.

Afinal, a realidade é selvagem, camarada.
A realidade é visceral.

Não recomendo a ninguém.
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