Nara 28/12/2021
Última leitura latinoamericana do ano.
Uma das melhores!
Resenhar coletâneas de contos é um desafio!Aqui temos, narrativas indigestas que, evidenciam aspectos da construção social que existe nas criações dos laços familiares, na leitura que realizamos dos pápeis de gênero entre pai/mãe e, no peso que muitas vezes a parentalidade e o cuidado recai unicamente na mulher.
Inclusive, é quase completa, a ausência de personagens homens nas narrativas (pra mim) é um reflexo da sociedade.
Árvore Genealógica, é o primeiro soco no estômago.
Um pai narra como sua filha desde muito cedo começa a seduzi-lo, a ponto de tornar-se impossível não sucumbir aquele "amor".
Existe uma construção de pensamento na opinião da filha (bom lembrar que, o narrador é o pai) que, explicaria a relação. É um conto perturbador que faz pensar em como a moral se relaciona com o social e, estrutura as nossas relações, mas, que vivendo num período da história em que tudo torna-se uma questão de opinião, como isso pode borrar esses limites a ponto de tornar "aceitável" o incesto? O que me lembra também o quanto a indústria pornográfica faz sucesso com cenas que suscitam relações sexuais incestuosas.
O que dá o tom para essa interpretação é a epígrafe do antropólogo Levi-Strauss nesse conto:
O que é proibido?
"A sociedade não proíbe nada além daquilo que ela mesma suscita."
É uma escrita lírica que, vai além do incesto em si, com o pai narrando de forma angustiada como foi parar nessa situação e, os desdobramentos de vivenciá-la conforme se aproxima a velhice em relação a juventude que ganha forma na filha-amante.
Não vou mencionar conto por conto, mas, meu predileto: Marejadas.
Faria com gosto um TCC baseada na teoria do imaginário de Durand sobre esse conto.
Existem diversas camadas nas quais a imagem-título suscita outra, dita o ritmo e cria associações de modo que nos assusta a presença do sagrado/profano, da dor/prazer como manifestações possíveis mesmo que antagônicas, num momento de perda e luto.
Uma mãe recebe a ligação da delegacia informando que o primogênito está em estado grave em decorrência de um acidente.
Ela sai desesperada e, se depara com o ex-companheiro e pai de seu filho no hospital.
A autora utiliza o mar como a alegoria com a qual a personagem-mãe expressará o que sente:
"Uma grande onda me arrastava num sonho, interrompido por um telefonema à meia noite.Nadava num mar de escombros quando o policial pronunciou o nome do meu filho."
"Um enxame de sirenes de ambulância soava na minha cabeça.Acelerava sentindo os sapatos cheios de água."
Quando ela vê a ultrassonografia do derrame do filho: "Uma maré de sangue que escurecia hemisférios e cavidades."
Todo o tempo o mar, as águas turvas e o movimento letárgico e carregado da própria marejada, são suscitados pela protagonista.
Em determinado momento, é sabido que ele não tem muitas chances e, esse ex-companheiro chama ela pra caminharem juntos e conversar, até a casa dele.
Observando o ex-companheiro, ela se dá conta do quanto filho e pai são parecidos e, então ela beija e acaricia o ex.
É incrível o quão turva fica a escrita demonstrando essa confusão mental de imagens que se dá na mente dessa mãe tentando entender que está prestes a perder o primeiro filho.. Ao mesmo tempo tendo uma relação com o pai, retomando as imagens predecessoras de água do mar, sangue, vínculo, útero, fecundidade, ciclo, gênese.
"Faça-me um filho, sentenciei.Não vê como avança a mancha no mapa cerebral(...)Sim,eu sei, a maré sobe e inunda cavidades e tecidos.É um mar de vasos sanguíneos explodidos que não retrocede."
Maravilhoso! Super indico