Marcos Nandi 06/02/2023
Um livro sincero
Dedicado a Sartre, esse livro de memórias extremamente filosófico, vai dar contas das memórias de Simone. A história começa quando a autora e filósofa, volta a Páris (em 1929). Um livro que fala sobre liberdade. Liberdade de ser o que é, liberdade de poder não se encaixar em quaisquer grupos.
Na época, Simone vive no pensionato de sua avó e vivia com um parco salário e já tinha um relacionamento com Sartre (que tinha oposição ferenha dos pais de Simone). O casal, vivia numa época em que o nazismo ganhava força na Europa, o nascimento do cinema falado e a dificuldade de uma separação, já que Sartre teria que servir de forma obrigatória no exército.
Simone, tinha ressalva sobre o marxismo, psicanálise e sobre o partido socialista. E tinha vários tabus sexuais e de certa forma era bem puritana.
Achei ela bem sincera, gosto dela falando que não era na época militante feminista, porém, muito apegada a seu namorado ao ponto de se mudar para provincia onde ele morava, com a desculpa de não se adequar a capital. Na província, ela foi lecionar latim.
Lá na província ela era vista com mal olhos pelas mulheres conservadoras e o cerne da revolução já estava nela.
A escrita dela me lembra muito a escrita de Proust.
Apesar de ser um bom livro, não é uma leitura que me pegou. Mas, é interessante ver as opiniões de Simone sobre cinema, literatura e crimes famosos da época. Em dado momento, acreditei que ela teria uma romance ou um caso lésbico.
O livro tem muitas divagações do que ela se tornaria mais tarde. O livro chega a ser chato de tanta divagação, meu Deus do céu, eu não aguentava ver as descrições dos passeios.
De longe, a parte mais interessante é a ascenção do Nazismo na Alemanha, o fascismo na Itália e o poder de Franco na Espanha e a condescendência do governo Francês, além de movimentos histórico como o sufrágio feminino.
Um ponto interessante é que Simone não se importava com essas questões sociais tão importantes, só se preocupava com a guerra da Espanha, o desejo de não ter filhos, e seu namoro.
É meio agoniante, confesso, ver a autora não conseguir escrever seu primeiro romance. Agoniante por ser algo tão sincero, ela realmente disserta sobre sua falta de talento para textos longos (tentou três vezes), se dedicando apenas a narrativas curtas.
Me irritou um pouco o tanto que Sartre é mencionado e a dependência de Simone. Pensava que era coisa da minha cabeça, mas por coincidência, uma das crônicas do livro doidas e santas que estava lendo (da Martha Medeiros), a autora menciona que está lendo as cartas do casal, e ela tem a mesma impressão que eu. Aliás, o ciúmes insuportável que ele tinha de Olga, com outro amigo, é INSUPORTÁVEL.
Olga, tem uma história muito interessante. Sofreu de amores por um homem casado, nascida em família rica, acabou por desapontar os pais por não escolher uma profissão. Mas o ciúmes de Sartre minava a história, além disso, os seus surtos (talvez devido ao uso da mescalina), que o fazia ver lagostas no meio da rua perseguindo ele.
Junto a isso, me incomodou um fato lá no último capítulo, que o Sartre a proibiu de dar entrevista caso ganhasse um prêmio literário a qual foi indicada, tipo: Oi?
Quase dormi lendo os relatos de sua viagem na Grécia que não imaginava ser tão pobre, e no Marrocos, onde havia muita pobreza e inúmeros casos de doenças e deformações em crianças, enquanto todos os seus romances eram rejeitados pelo editor.
Mas, Sartre conseguiu um relativo sucesso com a publicação de A náusea, que antes tinha o título de melancolia. E em outro momento de sua vida, escreveu uma peça de teatro e teve como ator nos ensaios, o Albert Camu, sim, o próprio.
Mas depois, Albert voltou atrás.
A segunda parte do livro é excelente. Melhora muito. A segunda parte é composta de várias entradas do diário de Simone que demonstram o tamanho da passividade e a vã expectativa da autora em que não haveria guerra e que se houvesse, seria uma guerra curta.
Ao mesmo tempo que ela se agoniava e questionava seu "egoísmo" em relação a guerra, Sartre se alistou e Simone foi "curtir" umas férias. Essa parte eu ri: A Europa pegando fogo e a Simone passeando KKK.
Óbvio que a vida continua, apesar da mudança da própria estrutura da cidade, com toques de recolher e com pessoas diferentes na cidades (muitos soldados e prostitutas), a vida segue. E infelizmente, tanto o "egoísmo" da Simone em esquecer das questões políticas, a ideia de prefrir uma guerra a uma França nazista, quanto a ideia de que ela poderia fazer algo, era inútil. A guerra iria acontecer de qualquer jeito.
Além das dificuldades da segunda guerra, como mortes, fome, antisemitismo e suspeita de amigos detratores, Sartre tentou por muito tempo montar sua peça teatral, e foi muito engraçado, quando ele recebe a proposta de um grande mecena que depois, se descobre, ser uma fraude. Apesar disso, ele consegue montar a peça com relativo sucesso, enquanto Simone pública seu primeiro romance, A convidada. E um tempo depois é demitida do seu cargo de professora, começando a trabalhar na rádio nacional.
Agora já despertada de sua apatia política Simone começa a se envolver com o grupo socialismo e liberdade, criado por seu namorado. Dando uma mudança de aspecto intelectual da autora.
Como eu mencionei, o livro não me prendeu. Porém, é um bom livro. Interessante ver a mudança da frivolidade de uma jovem aspirante a romancista com o choque de uma guerra. Interessante a visão de uma pessoa que não era judia, já que além dos judeus, outros foram afetados também.
A edição é muito boa. Possui várias notas de rodapé do editor e dá própria autora.