Leitora Viciada 28/03/2012O terceiro volume de Imaginários mantém o padrão dos anteriores, tanto na qualidade gráfica quanto no conteúdo literário. Pessoalmente este volume foi o que mais gostei da série (mas ainda tenho o 4 para ler). Cada volume da série é independente e forma uma coleção muito interessante. Ótimos momentos de leitura e diversão para os fãs da literatura fantástica nacional. Vocês podem também conferir as resenhas que fiz para o volume 1 e para o volume 2.
Como é comum ocorrer, alguns contos agradam mais que outros, porém todos são excelentes. Mesmo sendo diferentes em narrativa e estilo (afinal são de escritores distintos), a leitura flui e agrada a todos os fãs de gêneros fantásticos. Também gostei muito da capa e projeto gráfico.
Parece que nesse volume o destaque está para alguns subgêneros da Ficção Científica, como o Cyberpunk e o Steampunk. Claro que existem contos mais puxados para a fantasia ou terror.
Alguns dos contos estão disponíveis na Amazon em e-book.
A coletânea inicia muito bem com o autor Eduardo Spohr, famoso pelo sucesso A Batalha do Apocalipse. A Torre das Almas, como eu deduzi, faz parte desse universo e imagino ser interessante a todos os fãs do livro que leiam este conto. Não tive a oportunidade ainda de ler A Batalha do Apocalipse, mas gostei muito desse aperitivo, onde uma equipe de anjos enviados por Gabriel investiga na Terra um caso de um espírito aprisionado. Claro que a história, embora curta, traz outros acontecimentos cheios de ação.
O segundo conto é Breve relato da ascensão do Papa Alexandre IX e o autor Marcelo Ferlin Assami conseguiu criar uma história muito mais complexa que o longo título. Confesso que tive certa dificuldade em ler o conto e reli muitos trechos diversas vezes. Ás vezes eu perdia o fio condutor principal. No entanto, creio que seja uma deficiência minha, porque o conto é muito bem escrito, surpreendente e fantasticamente criativo. Espigas de milhos mutantes e uma motocicleta sanguinária devoradora, numa trama fluida e de saltos temporais. Pequenos fatos integram uma teia instigante e curiosa, mesmo que possa ser um pouco confusa para alguns leitores.
Em seguida vem o conto de Rober Pinheiro, intitulada As Noivas Brancas. Uma história fantástica e uma excelente aventura com mistura de Space Opera e Cyberpunk. O ritmo da narrativa é intenso e os ambientes e seres apresentados são incríveis e estranhos. O conto possui boas doses de ação e violência. Mercenários espaciais liderados um anti-herói sarcástico precisam recolher e entregar uma carga formada por mulheres bonitas, indefesas e condenadas. Um pouco machista, mas divertido.
O que dizer de Bonifrate de Douglas MCT? Perfeito, eu me apaixonei por cada detalhe, e são muitos! O conto é uma releitura de uma história infantojuvenil clássica com elementos da Ficção Científica, principalmente do Steampunk. Diferentemente do clássico referente, Bonifrate transmite uma carga dramática e singela sem ser sentimental demais. É uma fábula um pouco sombria e envolvente. Vai para minha lista de contos preferidos.
Dies Irae de Lidia Zuin é um dos melhores do livro. A autora mostra componentes do Cyberpunk, como hackers, drogas, gangues e a cibernética num submundo social cruel. Mesmo não agregando nada de novo ao subgênero, o conto é intensamente bem detalhado, com a violência e decadência perseguindo a protagonista. Ela é uma hacker que divulgou filmes com assassinatos, estupros e torturas sádicas e reais. Agora ela é a caça.
O conto Vida e morte do último astro pornô da Terra mostra uma realidade alternativa com grande toque sarcástico. Marcelo Augusto Galvão usa o humor negro para apresentar um mundo onde os biôs foram construídos para serem utilizados em filmes pornôs, substituindo os astros do mercado pornográfico. Um conto inteligente e divertido que faz críticas ao desemprego tecnológico e falta de princípios morais.
Corre, João, corre é o conto que mais surpreende na coletânea, por ser o mais poético e humano. O protagonista imperfeito é cativante. De início não entendi o porquê de o conto estar em Imaginários, apesar de ser maravilhosamente bem escrito. De repente, o choque, a surpresa: o fantástico surge, trazendo um pouco de terror. João encontra-se numa situação desesperadora e não sabe muito bem como agir, porém nada de ficar de braços cruzados. Estaria ele louco ou realmente isso tudo estaria ocorrendo? Parabéns ao autor Cirilo S. Lemos.
O conto seguinte é de Fernando Santos de Oliveira. Com Uma segunda opinião o autor trouxe uma história de terror leve que eu a classificaria mais como feita para o público juvenil. Uma garota excluída dos grupos populares da escola se sente humilhada com uma determinada situação e decide se vingar dos colegas causadores do constrangimento. Ela encontra uma menina desconhecida e sombria na biblioteca esquecida e passa a seguir todos os seus conselhos, praticando maldades e entrando num jogo macabro. A protagonista é ingênua e sem autoestima.
O penúltimo conto do livro é uma Fantasia Histórica graciosa: Maria e a fada, escrito pela historiadora Ana Cristina Rodrigues. Além de termos um ótimo conto com magia intrincada nos acontecimentos, nos deparamos com informações sobre História, inseridas de forma leve e complementar. A origem mística de uma importante família da Idade Média é passada de geração em geração, preservando seus segredos mágicos. Gostei muito dos detalhes, uma mistura de realidade com fantasia muito bem equilibrada.
Fábio Fernandes escreveu um conto ousado: Como seria se um brasileiro tivesse escrito uma história de Ficção Científica no estilo de Space Opera em 1929? Com direito a grafia antiga, bem diferente da nossa atual e com os "absurdos" da Ciência típicos da época, quando a ficção era mais ainda especulativa. O Primmeiro Contacto me atraiu e ao mesmo tempo me repeliu, dependendo do momento. Um conto muito original, desafiador e interessante.
Agora é partir para Imaginários volume 4!
Contos que mais gostei: Bonifrate; Dies Irae; Corre, João, Corre; Maria e a Fada.
Trechos:
"Zarion enfiou a mão dentro da jaqueta e materializou sua espada, tirando uma lâmina de meio metro de onde não havia absolutamente nada." A Torre das Almas, Eduardo Spohr.
"Um leve torpor começou a tomar conta dos moradores de X. Se olhassem pelas janelas da prefeitura veriam as espigas gigantescas a assumir a forma dos cidadãos, que iam ficando mais e mais sonolentos." Breve relato da ascensão do Papa Alexandre IX, Marcelo Ferlin Assami.
"Um novo tranco e cruzamos a atmosfera até o centro de um continente ressequido pelo calor abrasivo dos dois sóis gigantes, um lugar coberto de sombras vivas e parcamente adornado com três ou quatro árvores murchas e retorcidas." As Noivas Brancas, Rober Pinheiro.
"Carlo caminhou por silhuetas familiares. Todos os corpos tinham o mesmo tamanho, os mesmos maneirismos e forma de andar ou se mover, e vestiam o mesmo uniforme, mas ignoraram sua presença. Usavam máscaras de prata com pequenos orifícios e jamais revelavam seu rosto." Bonifrate, Douglas MCT.
"Enlouquecida pelo medo, ordenou à máquina que deletasse toda e qualquer informação guardada. Da rede, tentou apagar todo o registro que remetesse a sua pessoa virtual. Mas nada é realmente perdido, na internet." Dies Irae, Lidia Zuin.
"No dia seguinte, Nicholas Richards deixava para trás não só o subemprego, mas também a mãe com eterno hálito de vinho barato o padrasto que abusou dele sexualmente durante a infância e adolescência, o trailer apertado onde viviam." Vida e morte do último astro pornô da Terra, Marcelo Galvão.
"Centenas de vozes a desfiar um cantochão monótono, formado por choros inconsoláveis, preces tristes e lamentos agudos; João, assustado, cutuca o pai, que parece alheio ao desfile de um cortejo que vem subindo a rua." Corre, João, corre, Cirilo S. Lemos.
"A garota do outro lado da mesa começou a falar coisas terríveis. Suas ideias eram tão obscuras quanto sua imagem que ainda se escondia no meio das trevas." Uma segunda opinião, Fernando Santos de Oliveira.
"Estendeu a caixa para Maria, que, incrédula, abriu. La Marche não mentira nem exagerara. Era uma escama dourada, imensa, perfeitamente entalhada, de uma forma que jamais artífice algum conseguiria fazer." Maria e a Fada, Ana Cristina Rodrigues.
"Elle vê o immenso salão adjacente aos hangares e acompanha em silêncio os trabalhos dos computadores. Cuidando das immensas machinas estão os homens que as inventaram." O Primmeiro Contacto, Fábio Fernandes.
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