Pri | @biblio.faga 17/06/2020
Pois será que um deus tem direito a qualquer sentimento exceto a piedade? (p. 124)
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Em tempos de indivíduos autodeclarados fascistas, da crença no terraplanismo, da censura de livros e, principalmente, de desobediências arbitrárias e infundas das recomendações da OMS mesmo em meio a uma pandemia mundial e do uso cloroquina no combate do coronavírus sem nenhum respaldo cientifico, o livro escrito, em 1964, pelos russos Arkady e Boris Strugátski mostra-se tristemente atual, fato que, por si só, já torna sua leitura pertinente e recomendada.
Contudo, devo alertar que o começo pode ser um pouco difícil, uma vez que os irmãos te jogam na localidade conhecida como Arkanar sem maiores dados ou explicações, o que pode causar certa confusão, porém, este fato foi logo superado, e a leitura do desenvolvimento torna-se mais fluida e o final é simplesmente maravilhoso, merecendo especial destaque para os diálogos.
A obra é ambientada um planeta alienígena que se muito se assemelha com a Terra, no entanto, em um período com características medievais ou da “Idade das Trevas”, onde está ocorrendo uma verdadeira caça aos letrados. E, por sua vez, o protagonista, Dom Rumata (ou Anton), revela-se um dos 250 observadores [ou espiões] terráqueos enviados como historiadores do Instituto.
Assim, em posse de recursos e conhecimentos privilegiados, o personagem deve limitar-se a observar e reportar aos seus superiores o transcorrer da história, sem poder intervir diretamente no desenvolvimento e tampouco nas escolhas daquela sociedade – tarefa árdua que lhe faz questionar a “facilidade” em ser uma espécie de deus, bem como sua inércia e ordenada imparcialidade frente à sua humanidade.
Crítico, o livro faz referência ao governo soviético na época da Guerra Fria, mas também pode ser transportando ao momento em que vivemos com diversos governos autoritários, e diante da retomada da politica de fortalecimento do patriotismo, com o fechamento de fronteiras e a crescente xenofobia, quando deveríamos adotar uma politica de cooperação e solidariedade global.
A obra também mostra os efeitos terríveis do medo da ciência, da ignorância, do desprestígio da intelectualidade, do sucateamento da educação bem como das manifestações artísticas, e especialmente, do uso religião e da política como mecanismo de controle.
Recomendo!
“Sem artes e cultura em geral, o Estado perde a capacidade de autocritica, acaba incentivando tendências equivocadas, começa a produzir bajuladores e vilões, cultivar nos cidadãos o consumismo e a prepotência e, por fim, novamente se torna vitima da vizinhança mais sábia.” (p.142)
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