Alessandro232 29/07/2021
Um belo romance sobre a gênese de uma obra-prima
Clube Intrínsecos
A tragédia "Hamnet" é mundialmente conhecida. Quem nunca ouviu a célebre frase: "ser ou não ser, eis a questão" ou não viu alguma adaptação dessa obra seja para televisão, ou para o cinema. Contudo, até hoje pouco sabemos sobre a vida de seu autor, William Shakespeare e, principalmente sobre sua esposa igualmente misteriosa. São os mistérios que cercam o bardo, sua mulher e o filho do casal chamado "Hamnet" que dão origem ao belo romance de Maggie O'Farrell.
A escrita de O'Farrel é um dos pontos altos desse livro. Utilizando uma metáfora, dá a impressão que autora tece as palavras, de modo que elas tenham sonoridade poética. Alguns trechos da obra são grande beleza plástica, mesmo quando são narrados acontecimentos dramáticos.
Intitulado com o nome da famosa tragédia, este romance foca principalmente na vida desses três seres reais que aqui são convertidos em personagens. O'Farrel ficcionaliza eventos pouco conhecidos da vida de William Shakespeare. Neste aspecto, podemos dizer que autora faz isso com muitas licenças poéticas, principalmente no que se refere à descrição da misteriosa mulher do autor, cujos registros históricos são bastante escassos. Isso permite a autora imagina-la de maneira pouco convencional, como um ser com contornos sobrenaturais, - evocando bruxas, fadas e personagens femininas astutas que aparecem em obras de Shakespeare-, em contraste com a racionalidade e pragmatismo de seu esposo. Esse aspecto sobrenatural, com matizes "góticas", também esta presente em grande parte da obra, principalmente na exploração no tema do duplo representado na ligação entre Judith e seu irmão gêmeo, Hanmet, um dos protagonistas do romance.
Por outro lado, a autora em sua obra descreve de forma realista e verossímil o modo de vida em pequena comunidade do interior de Londres. Temos a impressão que estamos junto com seus habitantes compartilhando de sua rotina diária. Também acompanhamos de perto as contradições do próprio William Shakespeare dividido entre o amor da esposa "selvagem" e dos filhos e o imenso desejo de ir para Londres e ascender socialmente livrando-se da realidade banal, na qual ele sente preso.
Também vale destacar o final faz uma homenagem a mais famosa obra de Shakespeare, assim como a memória da pessoa real que lhe deu origem. É provável que entre as obras que dialogam intertextualmente com as tragédias do bardo, a obra de O'Farrel seja aquela com o desfecho mais comovente e bonito até então já visto.
Intenso em várias passagens, principalmente quando foca na morte de um dos personagens, o livro tem uma beleza triste criada a partir de um elaborado arranjo de situações e diálogos que procuraram reproduzir ás emoções e pensamentos da mulher que ficou conhecida somente como esposa de Shakespeare. É "voz" dela que ressoa em grande parte da obra e torna uma personagem bastante marcante.
"Hanmet" até agora é o melhor livro que li do Clube Intrínsecos. Ele tem todos os elementos para se tornar um clássico moderno e talvez uma obra-prima sobre a gênese de outra obra-prima, que tem inspirado diferentes gerações de autores. Neste livro, O'Farrel nos oferece olhar sobre Anne Hathaway ou Agnes como é chamada, a esposa desconhecida, a pessoa por trás de um mito Shakespeare, e faz isso através da linguagem literária, de modo a torna-la inesquecível para os leitores.
Sobre a edição:
Novamente, o Clube Intrínsecos caprichou no projeto gráfico. O livro tem ótimo acabamento e as ilustrações evocam uma das passagens mais famosas de "Hamnet", a morte de Ofélia, o que combina com o principal tema da obra de O"Farrell