spoiler visualizarEduardo 26/03/2012
Liberman e sua autêntica visão biográfica de Mahler
Liberman, o apaixonado autor deste livro impregnado de amores pelo Gênio em questão, já deixa claro em seu prefácio que esta não se trata de uma obra absoluta sobre a vida de Mahler - se o fosse certamente seria uma obra muito mais extensa. Prepara, então o leitor para o que está por vir: uma biográfia competente mas ao mesmo tempo de cunho pessoal. Uma homenagem à Gustav Mahler por dar de presente ao mundo obras musicais de singularidade e sensibilidade inigualáveis.
Apesar da motivação bastante pessoal para conceber este livro - e que obra literária não o é? - o autor não deixa de focar até certo ponto o lado científico de uma biografia que se preze, se baseando em relatos do próprio Mahler em suas inúmeras correspondências, relatos de seus amigos íntimos e contemporâneos, relatos de sua esposa Alma Mahler além de relatos de importantes nomes de nossa própria época. Liberman nos mostra a importância das obras de Mahler que influenciaram o pensamento e obras de todo o século XX com declarações como a de Stockhausen em 1972: "Mahler é um mito. Mahler é a música". Numa época em que reinava o serialismo integral e a completa negação de qualquer música ligada ao romantismo (mesmo o tardio) pelo meio acadêmico, é notável que o nome de Mahler seja citado com tanto entusiasmo por um vanguardista como Stockhausen.
Liberman não deixa, é claro, de vaguear por suas próprias impressões sobre a vida e a obra de Mahler em determinados momentos e chega a beirar a linguagem poética em alguns trechos, mas de maneira alguma se torna incoerente e irresponsável em suas observações. É marca registrada de Mahler seu lado extremamente poético e filosófico, de extrema intimidade com seus desassossegos constantes com as questões da vida e da morte, inquestionavelmente romântico em suas buscas pelo inalcançável e pelo Absoluto. Que outra linguagem poderíamos usar para chegar mais perto dessa mente genial se não uma linguagem que beira a poética?
O livro em si segue uma linha de tempo incomum para uma biografia. De maneira invertida, Liberman começa pela época da crise do casamento com Alma, o famoso encontro com Freud e a criação de sua Oitava Sinfonia, a penúltima da série. Daí em diante caminha de maneira regressiva até a infância do pequeno Mahler, passando por sua prolífica década na direção da ópera de Viena e seus anos de estudos no conservatório e crescimento como compositor e regente. Em seu último "Movimento" (como assim Liberman chama cada capítulo da biografia), Liberman regressa ao ponto em que parou no "Primeiro Movimento" e relata os últimos anos de vida de Mahler, com sua redenção da vida matrimonial com Alma, os anos de sucesso na América e princialmente a criação da "A Canção da Terra" e a Nona Sinfonia em que Mahler discorre angustiadamente sobre sua própria morte, como que prevendo, frente à "maldição" que paira sobre os grandes compositores, o inevitável. A citação que Liberman faz das palavras de Schoenberg, antes mesmo do começar o último movimento, sintetizam o clima mórbido em que Mahler compôs sua última grande obra: "Parece que a Nona é o limite. Aquele que quer ir além deve desaparecer. Aqueles que escreveram uma Nona Sinfonia estavam demasiado perto do além".
Um livro de leitura rápida e prazerosa que nos leva desde as situações mais pitorescas da vida de Mahler aos momentos mais perturbadores e introspectivos, nos dando uma clara noção da grandiosidade deste homem-gênio, endeusado por seus admiradores e rechaçado pelos seus inimigos. Uma leitura obrigatória desde os simples admiradores de Mahler aos compositores e músicos apaixonados pela arte dos sons.